Em Lucas, logo nas primeiras páginas
do evangelho, Jesus é proclamado o Salvador enviado por Deus (Lc 1,46b-47). É
tempo de renovar a esperança e a fé na presença de Deus que visita o seu povo.
Esse evangelho apresenta uma releitura da vida e da prática de Jesus com a
intenção de ajudar as comunidades cristãs a retomar o seguimento de Jesus.
Acompanhando os passos de Jesus nesse evangelho, descobrimos a presença de um
Deus amoroso e compassivo.
O evangelho de Lucas é conhecido
como o evangelho do caminho. No caminho, Jesus transmite seus principais
ensinamentos a seus seguidores e seguidoras. Seguir Jesus exige deixar-se mover
pela compaixão e aproximar-se das pessoas marginalizadas e excluídas. Esse foi
o caminho de Jesus, e o da pessoa cristã não pode ser diferente.
Entre as muitas possibilidades de
leitura desse evangelho, eis o caminho que propomos:
a) O encontro entre Maria e Isabel (Lc 1,39-56) é
um convite para acreditarmos na solidariedade fraterna que gera comunhão de
vida. Com Maria, queremos celebrar a presença de Deus na história do seu povo e
em nossa história. Como Maria, que se coloca a caminho para servir Isabel, que
sai da periferia para o centro, a comunidade cristã do século I e nossas
comunidades hoje são chamadas a seguir Jesus, fazendo-se solidárias com as
pessoas necessitadas.
b) O evangelho de Lucas proclama quatro
bem-aventuranças aos pobres e quatro maldições contra os ricos, ou seja, são
advertências contra a sociedade individualista e a busca desenfreada de
riquezas (Lc 6,20-26). Nesse contexto, as bem-aventuranças anunciam a
transformação de uma sociedade injusta e o projeto de inclusão social para as
pessoas marginalizadas e excluídas. A prática do amor e da justiça exige de
cada pessoa cristã o compromisso com a construção de uma sociedade justa e
fraterna.
c) Outro texto que nos ajuda a retomar a prática da
misericórdia é a parábola do samaritano (Lc 10,25-37). No tempo de Jesus e das
primeiras comunidades, ainda havia um excessivo apego às leis. Um judeu, para
ser puro diante de Deus, devia cumprir as exigências da Lei: pagar dízimo, dar
esmolas, orar, jejuar, guardar o sábado e não manter contato com as pessoas que
eram consideradas impuras, por exemplo: deficientes físicos, doentes, pobres,
indigentes e estrangeiros, como o samaritano, por exemplo.
“Quem é o meu próximo” é a perspectiva de quem se
preocupa com o cumprimento da Lei; a parábola inverte a questão: “quem se
tornou próximo daquele que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36). É uma
parábola que provoca uma revisão de nossas atitudes e preconceitos. É um
espelho que nos ajuda a refletir se vivemos a compaixão e a solidariedade ou se
ainda continuamos apegadas/os às normas e prescrições que, muitas vezes, nos
impedem de vivermos a fraternidade.
d) A leitura da parábola do pai misericordioso (Lc
15,11-32), que ama seus filhos de maneira incondicional, contém um forte apelo
para vivermos a misericórdia. No tempo de Jesus, a teologia oficial, conhecida
como a teologia da retribuição, afirmava que Deus recompensava uma pessoa justa
com riqueza, vida longa e descendência, e uma pessoa injusta com pobreza,
esterilidade e sofrimentos. Os pobres, os doentes, as pessoas com alguma
deficiência física e os estrangeiros eram considerados impuros (Ex 20,5; Sl
38,2-6).
De acordo
com a Lei oficial, era proibido o contato com pessoas impuras. Indo na
contramão da teologia oficial, muitos grupos continuaram afirmando que Deus não
abandona os pobres, mas caminha com as pessoas que sofrem, ele “protege o
estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva” (Sl 146,9). Não é o Deus do
sacrifício, mas o Deus da misericórdia. É esse o rosto de Deus que Jesus nos
revela na parábola do pai misericordioso.
É preciso entrar e participar da festa da vida, “pois esse teu irmão estava
morto e voltou a viver”. Será que nós entraremos nessa festa?
e) Para coroar a leitura do evangelho, propomos a
narrativa dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). A decepção e a frustração
estão presentes nos sentimentos dos discípulos de Emaús: “Nós esperávamos que
fosse Jesus, o nazareno, quem libertaria Israel”. Os discípulos e o povo
esperavam um messias-rei que fosse forte e derrotasse o império romano, dando
liberdade para o povo judeu e restabelecendo a realeza de Israel. Esse
ensinamento fazia parte da catequese oficial dos judeus e era a maneira de
pensar de muitas pessoas. Por isso, os seguidores e as seguidoras de Jesus
tiveram dificuldade de entender a maneira de agir de Jesus. Nessa realidade de
dúvida e descrença, a comunidade de Lucas descreve como fez a experiência de
Jesus ressuscitado na comunidade.
O Evangelho de João
nos desafia para a vivenciar o amor até as últimas consequências: “Ele, que
tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O único
mandamento que encontramos nesse evangelho é o mandamento do amor: “Eu dou a
vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, que
vocês se amem uns aos outros!” (Jo 13,34; 15,17).
A medida do nosso
amor é o amor de Cristo: amar até dar a vida! É um projeto de vida muito
exigente! Significa trilhar o mesmo caminho de Jesus, assumindo a condição de
servo. Jesus declara ser Mestre e Senhor pelo serviço e desafia seus seguidores
a fazer o mesmo (Jo 13,13-14). Será que estamos dispostos a seguir esse caminho
de amoroso cuidado uns com os outros em nossas comunidades, igrejas, grupos e
diversas associações?
Para assumir as
atitudes de Jesus, é preciso permanecer, conviver com ele, reavivar nossa
experiência de fé. Como discípulas e discípulos, queremos conviver com o
Mestre, refazer a nossa experiência de discipulado e dar continuidade ao nosso
seguimento de Jesus nos tempos de hoje. O amor é o caminho. É ele que cria,
recria, transforma e ressuscita. O caminho é aberto a todas as pessoas que
querem viver o amor-serviço.
Vejamos algumas
mensagens importantes:
a)Solidariedade e
sensibilidade. As bodas de Caná (Jo 2,1-11). Jesus e seus discípulos são
convidados a uma festa de casamento. A mãe já estava lá, o que pode indicar que
não era convidada, e sim fazia parte da organização. Ela representa a Israel
que percebe a falta do vinho, ao passo que o chefe da cerimônia representa os
judeus preocupados com a falta de água para a purificação. A falta do vinho –
alegria, bênção de Deus – simboliza o sofrimento do povo por causa de uma
religião ritualista, a ausência de relações de amor e cuidado.
De acordo com a religião oficial,
defendida pelas autoridades da sinagoga, a salvação de Deus vinha somente pela
observância rigorosa da Lei e não pela prática da solidariedade e do serviço ao
próximo. A religião ritualista aprisionava o povo. Jesus Cristo, salvador, transforma
a água das talhas, usada nos rituais de purificação, em vinho bom, símbolo da
vida plena. É importante observar que o milagre da vida acontece com a
participação das pessoas sensíveis e solidárias como a mãe de Jesus e os
serventes.
b)Superação de preconceitos. O encontro entre Jesus e a mulher
samaritana (Jo 4,4-42). Ao reler essa narrativa, somos convocados para reavivar
a nossa experiência de encontro com Jesus e anunciá-lo. O encontro começa com a
sede de Jesus: ele pede água à mulher samaritana. Como havia desentendimentos
entre judeus e samaritanos, a mulher imediatamente refuta o pedido. Após a
mulher apresentar algumas objeções, Jesus explica que pode dar uma água que tem
o poder de acabar definitivamente com a sede.
A mulher, representando o povo
samaritano, também à espera do Messias, abre-se para o encontro com Jesus: “Eu
sou esse Messias, eu que estou falando com você” (Jo 4,26). Ela deixa o cântaro
e vai para a cidade com a certeza de que Jesus é o Messias. Havia muitos
samaritanos nas comunidades cristãs, como também muitos estrangeiros; uma
realidade conflituosa e difícil de aceitar, sobretudo para os judeus cristãos,
enraizados na tradição judaica. Fazer memória da prática de Jesus é uma forma
de voltar às raízes da proposta cristã e abrir-se para os outros povos, romper
com os preconceitos e discriminações de etnia, origem, religião, gênero e
idade.
c)Ser pastores e pastoras uns para os outros. O bom pastor (Jo
10,1-18). Essa narrativa apresenta a liderança de Jesus e nos convoca para
rever nosso modelo de liderança. No Antigo Oriente, pastor era um título dado
aos reis e aos governadores, que tinham o dever de defender e conduzir o povo.
No tempo do Evangelho de João, Jesus é apresentado como o bom pastor que veio
para dar a vida por suas ovelhas em oposição ao mercenário, que rouba, destrói
e mata. Por trás desse texto está o conflito entre a comunidade cristã e as
autoridades judaicas, de tendência farisaica, que buscam seus próprios
interesses.
O bom pastor dá a vida por suas
ovelhas e busca a vida plena para as pessoas. A comunidade joanina reforça qual
é a missão de Jesus e das pessoas que seguem a sua prática: “Eu vim para que
tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Vida em abundância significa
condições dignas de vida. Ouvir a voz do pastor é assumir o mesmo projeto. É
comprometer-se com o projeto da justiça até o fim. É um convite para revermos
se a nossa liderança conduz para a liberdade ou para a dependência e a
passividade.
d)Amar e servir. “Vocês também devem lavar os pés uns
dos outros” (Jo 13,1-20). O episódio do lava-pés apresenta Jesus ajoelhado,
lavando os pés de seus discípulos. É um exemplo do que as comunidades cantavam
desde a década de 50 d.C.: “Ele esvaziou-se a si mesmo e tomou a forma de
servo” (Fl 2,7). No Antigo Oriente, lavar os pés constituía gesto de acolhida e
hospitalidade que, em sua origem, era feito pelo dono da casa. No decorrer do
tempo, tornou-se um serviço desprezado, feito por escravos. Em casa que não
havia escravos, era realizado pelas filhas ou pela esposa do dono da casa.
Em uma sociedade
escravista e hierárquica, um mundo organizado para que o escravo servisse o
senhor, Jesus, Mestre e Senhor, assume o serviço de lavar os pés, eliminando a
desigualdade e as diferenças sociais e, ao mesmo tempo, propondo uma sociedade
igualitária e fraterna. Que esse gesto profético possa inspirar nossa vida e
missão e reforçar nossa consciência de que seguir Jesus implica assumir a
prática do amor-serviço e concretizar relações de cuidado recíproco nos meios em
que vivemos. A comunidade deixa claro: Jesus é Mestre e Senhor pela capacidade
de amar e servir. Essa é a nossa missão!
e)Reavivar a fé em Jesus ressuscitado. “Eu vi o Senhor”
(Jo 20,11-18). Maria Madalena representa a comunidade junto ao
sepulcro. Ela experimentou dor, angústia e sofrimento (Jo 20,11-15). Sua busca
foi escrita tendo por inspiração a atitude da amada de Cântico dos Cânticos,
que enfrenta várias dificuldades para encontrar o amado e não desiste enquanto
não atinge seus objetivos (Ct 3,1-4). Mesmo sofrendo, a mulher permanece
próxima ao túmulo e faz a experiência de encontro com o Ressuscitado ao ser
chamada pelo nome.
A certeza que
impulsionou a comunidade joanina e que continua nos impulsionando e nos
enviando em missão é a de que Jesus está vivo e presente em nosso meio. Maria
Madalena é a primeira testemunha da ressurreição. Esse encontro aconteceu
porque ela venceu o medo. Em meio à situação de morte, a mulher resistiu,
permaneceu até encontrar o Senhor. Na comunidade de João há muitas mulheres
discípulas fiéis a Jesus que animam os outros a fazer o mesmo.
Esse texto é em grande parte recortado dos links abaixo,
com o intuito de percorrer o caminho para o verdadeiro conhecimento de Jesus.
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