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quinta-feira, 30 de maio de 2019

Uma pequena introdução a Bíblia - parte IV


Novo Testamento

“A palavra de Deus, que é virtude de Deus para a salvação de todos os crentes (cfr. Rom. 1,16), apresenta-se e manifesta o seu poder dum modo eminente nos escritos do Novo Testamento. Com efeito, quando chegou à plenitude dos tempos (cfr. Gál. 4,4), o Verbo fez-se carne e habitou entre nós cheio de graça e verdade (cfr. Jo. 1,14). Cristo estabeleceu o reino de Deus na terra, manifestou com obras e palavras o Pai e a Si mesmo, e levou a cabo a Sua obra com a Sua morte, ressurreição, e gloriosa ascensão, e com o envio do Espírito Santo. Sendo levantado da terra, atrai todos a si (cfr. Jo. 12,32 gr.), Ele que é o único que tem palavras de vida eterna (cfr. Jo. 6,68). Este mistério, porém, não foi descoberto a outras gerações como foi agora revelado aos seus santos Apóstolos e aos profetas no Espírito Santo (cfr. Ef. 3, 46 gr.) para que pregassem o Evangelho, e despertassem a fé em Jesus Cristo e Senhor, e congregassem a Igreja. Os escritos do Novo Testamento são um testemunho perene e divino de todas estas coisas” (DV 17).

A história do Novo Testamento gira em torno da pessoa de Jesus de Nazaré. Ele é uma figura de importância singular em toda a história. Os judeus nesse período estão sob a dominação do império romano.
             Novo Testamento é uma expressão que vem do latim: indica os livros da Bíblia escritos depois de Cristo e contrapõe-se ao Antigo Testamento, ou seja, aos livros da Bíblia escritos antes de Cristo. Para designar os dois “Testamentos”, melhor seria a expressão “Antiga Aliança” e “Nova Aliança”. De fato, a idéia teológica de aliança é fundamental na dinâmica interna da Bíblia, como Palavra de Deus para todos os crentes, e percorre-a do primeiro ao último livro. O Antigo Testamento resume-a nesta expressão: «Vós sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus.» (Lv 26,12; Jr 7,23; Ez 37,27). Mas esta Aliança era provisória, apontava para a Nova Aliança (Jr 31,31-34) que foi selada com o sangue de Jesus Cristo (Mt 26,27; Mc 14,24; Lc 22,20), ou aquilo que chamamos Novo Testamento.

A formação do Novo Testamento

Escritos entre os séc. I-II d.C., no contexto da civilização greco-romana, os livros do Novo Testamento foram escritos na língua “comum” desse povo (o grego, koiné) e tem como centro a mensagem de Jesus. Por isso, os Evangelhos são o eixo fundamental de todo o Novo Testamento.
Jesus anunciou a Boa Nova de forma oral, em aramaico, a língua falada então na Palestina. Os seus discípulos também se preocuparam mais com o anúncio oral dessa boa nova, que passa a ter na paixão, morte e ressurreição de Jesus o conteúdo principal dessa mensagem. Por isso mesmo o Cristianismo, não é uma “Religião do Livro”, mas da relação viva com uma pessoa, Jesus Cristo. Depois de terem ouvido a mensagem oral, durante a “primeira geração” cristã, é que os discípulos da “segunda geração” registraram por escrito as palavras e os fatos da vida de Jesus para imprimir nos cristãos maior fidelidade à mensagem e os conduzir à fé e à salvação em Cristo (Lc 1,1-4; Jo 20,30-31). Os Evangelhos não são unicamente a “História de Jesus”; são sobretudo, a narração escrita das palavras e dos fatos de Jesus de Nazaré, mas já iluminados pelo Cristo ressuscitado, presente na sua Igreja ao longo de muitos anos.
A Constituição Dei Verbum (n.° 19) diz que os Evangelhos não são História escrita à maneira do nosso tempo. Os evangelistas fazem uma História em função da fé, da teologia: resumem, interpretam, explicam e redigem fatos da vida de Jesus para apresentar uma determinada idéia teológica a uma determinada classe de ouvintes.

Um pouco de história


A dominação romana acontece a partir de 63 a.C -135 d.C. Em 63 a.C Roma, através do general Pompeu chega ao Oriente Médio. É o começo duma influência que não cessou senão com as invasões partas e árabes no séc. VII. Assim a Palestina passa a fazer parte do Império Romano. Herodes, o Grande (40-4 a.C) obtém de Roma o título de rei. É no seu reinado por volta do ano 6 a.C que Jesus nasceu. O nascimento de Jesus sucedeu durante o governo do imperador romano Augusto: “Naquele tempo foi publicado um edito de César Augusto ordenando o recenseamento de todo império”. (Lc 2,1), e a época do seu julgamento o procurador romano era Pôncio Pilatos.
Morto Herodes, seu reino é dividido em três partes e confiado aos seus filhos. A Galiléia e a Pérsia fica sob o reinado de Herodes Antipas (4 a.C - 39d.C). Arquelau, que reina sobre a Judéia e Samaria, não demora a se fazer odiar; é exilado na Gália. É então substituído por funcionários romanos, os procuradores, dos quais o mais conhecido é Pôncio Pilatos ( 26-36 d.C).

Politicamente, as autoridades da Palestina reis ou procuradores romanos dependem do Imperador de Roma. A partir de 66 d.C., começou a revolta contra o poder romano, que foi severamente punida com a destruição de Jerusalém e do Templo, inaugurado poucos anos antes. Com a destruição do Templo, desaparece a classe politicamente mais forte, a classe sacerdotal ou dos Saduceus. Na fuga geral, também a pequena comunidade cristã de Jerusalém, segundo algumas tradições, se refugiou em Péla, na Decápole e noutros locais próximos. A partir de 70 d.C. desaparecem todos os principados da Palestina e o território é governado por administração direta de Roma.

Economicamente, a Palestina, pequeno território junto do deserto, contava pouco na economia do Império. Interessa, no entanto, saber como nela se vivia para compreender a linguagem utilizada por Jesus nos Evangelhos, sobretudo nas parábolas. Trata-se de um território de agricultura mediterrânica (trigo, cevada, figueira, oliveira, videira) e de pastoreio de gado miúdo (ovelhas e cabras). O comércio também ocupa um lugar de importância na vida quotidiana do povo.

Religiosamente, fervilhavam pelo império muitas religiões e cultos pagãos, que gozavam de uma relativa liberdade de culto e de proselitismo. Na Palestina, o templo de Jerusalém concentrava as principais instituições judaicas. Era o centro religioso, o lugar de Deus, do sacerdócio, das festas nacionais; mas também onde as pessoas ligadas ao culto exerciam o poder político. Todo o varão judeu adulto pagava uma didracma por ano de imposto ao Templo. Isso transformava o Templo no centro econômico do povo de Deus.
O primeiro Templo tinha sido construído por Salomão no séc. X e destruído pelos Babilônios em 587 a.C.. O segundo, mais modesto, foi construído em 515, depois do exílio. Um terceiro Templo foi construído por Herodes, o Grande; inaugurado no ano 60 d.C, foi destruído pelos Romanos no ano 70. Em forma de cubo de uns cinqüenta metros e rodeado de vários átrios e portas, era uma obra digna da admiração de qualquer visitante (ver Mt 24,1; Mc 13,1; Jo 2,20). No tempo de Jesus estava na fase de acabamento.

A Sinagoga era a instituição religiosa mais importante depois do Templo, aonde todo o bom judeu acudia cada sábado. O próprio Jesus freqüentava a Sinagoga (Lc 4,16-38). Era o lugar onde se proclamava e comentava a Palavra de Deus e se fazia a oração da comunidade; também servia de escola e centro de cultura. Teve especial importância sobretudo na Diáspora. Era chefiada pelos Doutores da Lei e fariseus; e, como não havia sacrifícios, os sacerdotes não tinham nela importância maior.
Os grupos religiosos de então:

Os Fariseus. Pessoas da classe média e baixa eram especialmente devotos e cumpridores de todas as normas da Lei de Moisés. A sua origem, sendo embora duvidosa, deve remontar à revolução de Judas Macabeu (séc. II a.C.: 1 Mac 2,42). Considerando Deus como o único Rei de Israel, opunham-se ao poder político instalado: os Romanos e a dinastia de Herodes. Como dominavam na Sinagoga, mediante a sua pregação, levavam o povo a pensar do mesmo modo. Por isso, constituíam o grupo mais numeroso de todos. Jesus denunciou muitas vezes a sua rigidez legalista, que não respeitava o mais importante, o amor, e juntava muitas outras tradições a chamada Lei oral ou “tradição dos antigos” às prescrições escritas na Bíblia. Admitiam como canônicos todos os livros da atual Bíblia Hebraica, ou seja, a Lei, os Profetas e outros Escritos (os do AT que estão nas Bíblias católicas, exceto os Dêuterocanônicos). Sendo rígidos na observância da Lei, eram progressistas nas idéias religiosas, pois admitiam, ao contrário dos Saduceus, a ressurreição final e a existência de anjos. Destruído o Templo, no ano 70, com ele desapareceu também a sua organização cultual: os sacerdotes e os sacrifícios. Restava a Lei, a Palavra de Deus que estava na mão dos Fariseus da Sinagoga. E foi a Sinagoga que perpetuou o judaísmo até aos nossos dias.

Os Doutores da Lei ou Escribas. Eram o grupo mais ligado ao dos Fariseus. O Novo Testamento se refere freqüentemente a estes rabinos copistas que se tornaram também intérpretes da Lei. Eram os “teólogos” do farisaísmo, embora também houvesse Doutores da Lei entre os Saduceus.

Os Saduceus (nome que deriva do Sumo Sacerdote Sadoc) existiam, como partido político, desde o séc. II a.C.. Eram a classe mais ligada ao Templo, por constituírem a classe sacerdotal. Além do sacerdócio, detinham ainda grande parte do poder político, pois, ao contrário dos fariseus, presidiam o Sinédrio, por meio do Sumo Sacerdote. Politicamente abertos à autoridade romana, eram conservadores em matéria de religião, pois, ao contrário dos fariseus, admitiam como canônicos apenas os cinco primeiros livros da Bíblia (Pentateuco) e negavam a existência dos anjos e a ressurreição. Esta classe sacerdotal, no exercício das suas funções, era assistida pelos Levitas, que tinham especial missão no canto litúrgico e nos sacrifícios.

Os Samaritanos. Como o nome indica, eram os habitantes da Samaria, descendentes da população mista israelita e pagã que ocupou aquele território depois do exílio dos Samaritanos para Nínive (711 a.C.). Como livros canônicos, só admitiam o Pentateuco (tal como os Saduceus) e tinham um templo no monte Garizim (2 Rs 17,24-28; Esd 4,1-4). Por este motivo, os Judeus (habitantes da Judéia, ao sul) rejeitavam-nos, como se fossem pagãos (Lc 10,25-37; Jo 4,19-22).

Os Zelotas. Como o próprio nome indica, zelavam pela independência nacional de Israel contra o poder político estrangeiro. Mas a sua luta era violenta, provocando sucessivos confrontos e atentados contra o exército ocupante.

Os Herodianos. Eram os partidários da dinastia de Herodes, o Grande, que governou os diversos territórios da Palestina a partir do ano 37 a.C. sob a suprema autoridade dos Imperadores de Roma (ver Lc 13,31-32).

Livros do Novo Testamento

O Novo Testamento possui 27 livros, agrupados da seguinte forma: Quatro Evangelhos e Atos dos Apóstolos, Cartas de Paulo, Carta aos Hebreus, Cartas Católicas (Tiago, 1 e 2 de Pedro, 1, 2 e 3 de João, Judas) e Apocalipse de João. 
A ordem acima referida é temática e pouco tem a ver com a cronologia. De fato, o escrito mais antigo do Novo Testamento é a Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses; e o Evangelho de João foi um dos últimos escritos a aparecer. Tais coleções, portanto, estão organizadas segundo a temática e o gênero literário.

“O alimento espiritual alimenta a alma tornando o corpo vigoroso para todo tipo de luta. A Palavra de Deus é esse alimento. Portanto, toma e come!”

Bibliografia:
Curso de iniciação bíblica - Instituto Religioso Nova Jerusalém
A Bíblia nas suas origens e hoje – Johan Konings. Editora Vozes, 1998.


segunda-feira, 20 de maio de 2019

Uma pequena Introdução a Bíblia - parte III


O bloco do Pentateuco

            Durante o exílio da Babilônia, a reflexão religiosa, social e política foram elaboradas a partir dos sacerdotes ligados ao templo de Jerusalém (um exemplo é o profeta Ezequiel). O objetivo dessa reflexão é manter viva a identidade nacional como povo da aliança. O resultado foi: um conjunto de leis rituais e a composição da história das origens (de Israel!) conhecida como Lei, ou Pentateuco.
            O primeiro passo é reconhecer que o Pentateuco, como todos os outros livros da Bíblia, é o resultado de uma experiência vivencial do povo que caminha. Só depois de um tempo, é que toda essa experiência vivencial se transformava em Livro. Há toda uma tradição oral, ou seja, uma transmissão de geração em geração dos costumes, das leis, das poesias, do culto e da cultura... Seja por ocasião das festas ou de alguma iniciação ritual.
            Em torno da figura de Moisés surge um elemento novo, um código que estabelece regras fundamentais para o povo. São os dez mandamentos, ou decálogo, que se encontram em Ex 20 = Dt 5.
            Outras tradições antigas como as canções de Débora (Jz 5) e de Josué (Js 10,13), Miriam (Ex 15,21), os oráculos de Balaão (Nm 22-24). “O livro das guerras de Javé”, do tempo dos Juízes (Nm 21,14) e o “livro do justo” (cf. Js 10,13; 2 Sm 1,18), fazem parte do corpo do Pentateuco.
            O Pentateuco é formado de tradições que logo após o exílio recebem a forma de Livro transmitindo uma mensagem sobre a origem do mundo, do homem e do povo.
            Antes de David e Salomão existia uma tradição oral e alguns textos escritos: o código da Aliança e o Decálogo (Ex 20-23), por exemplo. Segundo alguns estudiosos o texto dos primeiros livros da Bíblia (Toráh) seria o resultado de 4 “fontes” ou “documentos” conhecidos com o nome de Javista (J), Eloista (E), Sacerdotal (P) e Deuteronomista (D).
Durante o reinado de David-Salomão (séc IX-X) aparece a fonte “Javista”, assim chamada porque chama a Deus com o nome de “Javé”. Os Livros de Samuel surgem neste tempo, com o objetivo de legitimar a monarquia.
Neste tempo começam a ser escritas algumas partes do Livro do Gênesis, do Êxodo, alguns Salmos e nasce a literatura sapiencial.
            Com a morte de Salomão o reino divide-se, Israel (ou Reino do Norte) e Judá (ou Reino do Sul). No reino do Norte nasce a tradição “Eloista” (séc IX-VIII), assim chamada porque chama a Deus com o nome de “Eloim”. (Livros dos Reis, Amós, Oseias, Miqueias, Isaías).
 Em 722 o Reino do Norte caiu sob o poder da Assíria. Muitos dos habitantes fugiram levando consigo os escritos e as tradições sagrados para o Reino de Judá. Foi assim que as duas tradições, Javista e a Eloista, se uniram. (Jeremias, 2º Isaías).
O Livro do Deuteronômio começou a ser escrito (uma primeira redação) no Reino do Norte, antes da ocupação Assíria (722). Tem como base a renovação litúrgica da Aliança em Siquém (Js 24).
Um século mais tarde foi encontrado no Templo e chamado o «Livro da Aliança» (2Rei 23,3-20). O Rei Josias (640-609), contemporâneo do profeta Jeremias, tentou por em pratica este livro iniciando uma reforma religiosa. A redação final pode ser datada nos séc. V-IV a.C. 
Em 587 Nabucodonosor, rei de Babilônia, tomou a cidade santa e deportou muitos dos seus habitantes. Em terra estrangeira os sacerdotes voltaram às antigas tradições, insistindo sobre as celebrações litúrgicas (P).

Conteúdo teológico do Pentateuco

A criação do mundo e do homem (Gn 1-11);
A origem do povo: os patriarcas (Gn 12-50);
Êxodo-Aliança-Lei (Ex-Dt).

Bloco dos Profetas anteriores

            A Bíblia Hebraica chama assim, os livros de Js, Jz, Sm e Rs (nós conhecemos esses livros como históricos). É a primeira coleção de profetas:
Séc. XII-XI: Js e Jz;
Séc. XI-X: 1/2 Sm;
Séc. X-VI: 1/2 Reis.
            O primeiro período importante para compreender o nascimento da Bíblia estende-se de 1250 até 550 a.C. aproximadamente. É o período do Israel antigo. Essa literatura pressupõe um fato inicial: a libertação das tribos do Egito ou Êxodo.
            Esse bloco foi composto por um grupo de escribas que pertenciam a escola teológica que redigiu o livro do Deuteronômio. 

Bloco dos profetas posteriores

            No que diz respeito à produção literário-profética, podemos dividir os profetas em aqueles que escreveram livros (os escritores) e os que nada deixaram escrito (não-escritores). Os escritores são os quatro maiores e os doze menores. Os não escritores são aqueles que fizeram profecia, mas não escreveram seus oráculos, denuncias e discursos. São eles os mais conhecidos: Samuel, Elias, Eliseu e Natã.
Séc. VIII: Am, Os, Is, Mq;
Séc. VII -VI: Jr, Sf, Na, Hab, Ez, 2º Is, Ab, 3º Is, Ag, 1º Zc;
Séc. V- IV: Ml, Jl, Jn, 2º Zc.
            A mensagem de cada um desses profetas varia de acordo com o momento histórico em que viveram e de acordo com os ouvintes de sua pregação.
            Embora cada um deles tenha a sua forma própria de anunciar e denunciar (a dupla função do profeta) podemos encontrar duas mensagens fundamentais nesses escritos. A primeira é aquela que exige conversão, onde a exigência principal é que toda a realidade (social, política, econômica, religiosa, etc) seja mudada, a luz da Palavra de Javé, a fim de que não recaia sobre todo o povo o julgamento de Deus. Essa é mensagem central dos profetas que vieram antes do exílio.
            A segunda mensagem fundamental é a dos profetas que viveram durante o exílio, na terra da Babilônia, e depois que o povo voltou para a sua pátria. Eles transmitem palavras de esperança, de animo, de encorajamento; incentivam o povo, que tinha perdido sua terra e seus ideais, para que retomem a caminhada da reconstrução e da luta, e recuperem a fé em Deus e a própria cultura. São os profetas da consolação. Os livros proféticos mostram como homens de uma fé profunda e vigorosa em Deus procuram levar o seu povo a um relacionamento renovado e responsável com o Deus que julga e salva.

 Bloco do Cronista

            Chama-se “historiografia cronista” os livros 1/2 Crônicas e Esdras e Neemias pois possuem as mesmas características teológicas e literárias. A sua redação final situa-se no final do séc. IV aC. os grandes temas teológicos são: o templo, o culto e a raça. Essa historiografia pode ser conhecida como a história do primeiro e segundo templo.
            Existe toda uma idealização do rei Davi, de onde se espera uma dinastia duradoura (2 Sm 7,8-13). A releitura cronista se dá no tempo em que toda a vida do povo é dirigida pelos sacerdotes do templo, na observância da lei e na prática do culto.

O bloco da sabedoria de Israel

            Recolhe-se uma coleção de textos para uso litúrgico ou para o culto do templo, como também sentenças populares que vai do judaísmo antigo até a época do judeu-helenismo. São eles: Jó, Provérbios, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria, Cântico dos Cânticos e os Salmos.
O bloco das novelas

            Os dois primeiros (Tobias e Ester) são romances relacionados à diáspora, ou seja, as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo grego. Já o livro de Judite é uma narração alegórica exaltando a resistência do povo judeu na figura de uma mulher.

O bloco da resistência

            Esse bloco se refere aos dois livros dos Macabeus. Esses livros exaltam a resistência até o martírio dos judeus piedosos tendo seu maior expoente Judas Macabeu. É também uma historiografia da dinastia dos Macabeus. É também um livro da época helenística.
Por causa da invasão da Palestina a dinastia dos Macabeus assume o comando na cidade organizando a resistência armada. Eles resistem ao domínio dos Selêucidas que querem impor pela força a cultura e religião helenística, instalam no templo um altar a Zeus. Começa por esta época em Israel os martírios. Os irmãos de Judas e a seguir seus descendentes, restabelecem por um momento o reino de Israel.
Na época pós-exílica, nasce um conjunto de textos com o objetivo de atualizar certos temas da Lei e dos Profetas. Esses textos chamamos de Midraxes. O livro de Rute é um exemplo desse gênero literário.

A «economia» do Antigo Testamento destinava-se, sobretudo a preparar, a anunciar profeticamente (cfr. Lc. 24,44; Jo. 5,39; 1 Ped. 1,10) e a simbolizar com várias figuras (cfr. 1 Cor. 10,11) o advento de Cristo, redentor universal, e o do reino messiânico. Mas os livros do Antigo Testamento, segundo a condição do gênero humano antes do tempo da salvação estabelecida por Cristo, manifestam a todos o conhecimento de Deus e do homem, e o modo com que Deus justo e misericordioso trata os homens. Tais livros, apesar de conterem também coisas imperfeitas e transitórias, revelam, contudo, a verdadeira pedagogia divina. Por isso, os fieis devem receber com devoção estes livros que exprimem o vivo sentido de Deus, nos quais se encontram sublimes doutrinas a respeito de Deus, uma sabedoria salutar a respeito da vida humana, bem como admiráveis tesouros de preces, nos quais, finalmente, está latente o mistério da nossa salvação” (DV 15).

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Percorrendo os Evangelhos para conhecer melhor Jesus - Parte II


Em Lucas, logo nas primeiras páginas do evangelho, Jesus é proclamado o Salvador enviado por Deus (Lc 1,46b-47). É tempo de renovar a esperança e a fé na presença de Deus que visita o seu povo. Esse evangelho apresenta uma releitura da vida e da prática de Jesus com a intenção de ajudar as comunidades cristãs a retomar o seguimento de Jesus. Acompanhando os passos de Jesus nesse evangelho, descobrimos a presença de um Deus amoroso e compassivo.
O evangelho de Lucas é conhecido como o evangelho do caminho. No caminho, Jesus transmite seus principais ensinamentos a seus seguidores e seguidoras. Seguir Jesus exige deixar-se mover pela compaixão e aproximar-se das pessoas marginalizadas e excluídas. Esse foi o caminho de Jesus, e o da pessoa cristã não pode ser diferente.
Entre as muitas possibilidades de leitura desse evangelho, eis o caminho que propomos:  
a) O encontro entre Maria e Isabel (Lc 1,39-56) é um convite para acreditarmos na solidariedade fraterna que gera comunhão de vida. Com Maria, queremos celebrar a presença de Deus na história do seu povo e em nossa história. Como Maria, que se coloca a caminho para servir Isabel, que sai da periferia para o centro, a comunidade cristã do século I e nossas comunidades hoje são chamadas a seguir Jesus, fazendo-se solidárias com as pessoas necessitadas.
b) O evangelho de Lucas proclama quatro bem-aventuranças aos pobres e quatro maldições contra os ricos, ou seja, são advertências contra a sociedade individualista e a busca desenfreada de riquezas (Lc 6,20-26). Nesse contexto, as bem-aventuranças anunciam a transformação de uma sociedade injusta e o projeto de inclusão social para as pessoas marginalizadas e excluídas. A prática do amor e da justiça exige de cada pessoa cristã o compromisso com a construção de uma sociedade justa e fraterna.
c) Outro texto que nos ajuda a retomar a prática da misericórdia é a parábola do samaritano (Lc 10,25-37). No tempo de Jesus e das primeiras comunidades, ainda havia um excessivo apego às leis. Um judeu, para ser puro diante de Deus, devia cumprir as exigências da Lei: pagar dízimo, dar esmolas, orar, jejuar, guardar o sábado e não manter contato com as pessoas que eram consideradas impuras, por exemplo: deficientes físicos, doentes, pobres, indigentes e estrangeiros, como o samaritano, por exemplo.
“Quem é o meu próximo” é a perspectiva de quem se preocupa com o cumprimento da Lei; a parábola inverte a questão: “quem se tornou próximo daquele que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36). É uma parábola que provoca uma revisão de nossas atitudes e preconceitos. É um espelho que nos ajuda a refletir se vivemos a compaixão e a solidariedade ou se ainda continuamos apegadas/os às normas e prescrições que, muitas vezes, nos impedem de vivermos a fraternidade.
d) A leitura da parábola do pai misericordioso (Lc 15,11-32), que ama seus filhos de maneira incondicional, contém um forte apelo para vivermos a misericórdia. No tempo de Jesus, a teologia oficial, conhecida como a teologia da retribuição, afirmava que Deus recompensava uma pessoa justa com riqueza, vida longa e descendência, e uma pessoa injusta com pobreza, esterilidade e sofrimentos. Os pobres, os doentes, as pessoas com alguma deficiência física e os estrangeiros eram considerados impuros (Ex 20,5; Sl 38,2-6).
De acordo com a Lei oficial, era proibido o contato com pessoas impuras. Indo na contramão da teologia oficial, muitos grupos continuaram afirmando que Deus não abandona os pobres, mas caminha com as pessoas que sofrem, ele “protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva” (Sl 146,9). Não é o Deus do sacrifício, mas o Deus da misericórdia. É esse o rosto de Deus que Jesus nos revela na parábola do pai misericordioso. É preciso entrar e participar da festa da vida, “pois esse teu irmão estava morto e voltou a viver”. Será que nós entraremos nessa festa?

e) Para coroar a leitura do evangelho, propomos a narrativa dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). A decepção e a frustração estão presentes nos sentimentos dos discípulos de Emaús: “Nós esperávamos que fosse Jesus, o nazareno, quem libertaria Israel”. Os discípulos e o povo esperavam um messias-rei que fosse forte e derrotasse o império romano, dando liberdade para o povo judeu e restabelecendo a realeza de Israel. Esse ensinamento fazia parte da catequese oficial dos judeus e era a maneira de pensar de muitas pessoas. Por isso, os seguidores e as seguidoras de Jesus tiveram dificuldade de entender a maneira de agir de Jesus. Nessa realidade de dúvida e descrença, a comunidade de Lucas descreve como fez a experiência de Jesus ressuscitado na comunidade.
O Evangelho de João nos desafia para a vivenciar o amor até as últimas consequências: “Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O único mandamento que encontramos nesse evangelho é o mandamento do amor: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, que vocês se amem uns aos outros!” (Jo 13,34; 15,17).
A medida do nosso amor é o amor de Cristo: amar até dar a vida! É um projeto de vida muito exigente! Significa trilhar o mesmo caminho de Jesus, assumindo a condição de servo. Jesus declara ser Mestre e Senhor pelo serviço e desafia seus seguidores a fazer o mesmo (Jo 13,13-14). Será que estamos dispostos a seguir esse caminho de amoroso cuidado uns com os outros em nossas comunidades, igrejas, grupos e diversas associações?
Para assumir as atitudes de Jesus, é preciso permanecer, conviver com ele, reavivar nossa experiência de fé. Como discípulas e discípulos, queremos conviver com o Mestre, refazer a nossa experiência de discipulado e dar continuidade ao nosso seguimento de Jesus nos tempos de hoje. O amor é o caminho. É ele que cria, recria, transforma e ressuscita. O caminho é aberto a todas as pessoas que querem viver o amor-serviço.
Vejamos algumas mensagens importantes:
a)Solidariedade e sensibilidade. As bodas de Caná (Jo 2,1-11). Jesus e seus discípulos são convidados a uma festa de casamento. A mãe já estava lá, o que pode indicar que não era convidada, e sim fazia parte da organização. Ela representa a Israel que percebe a falta do vinho, ao passo que o chefe da cerimônia representa os judeus preocupados com a falta de água para a purificação. A falta do vinho – alegria, bênção de Deus – simboliza o sofrimento do povo por causa de uma religião ritualista, a ausência de relações de amor e cuidado.
De acordo com a religião oficial, defendida pelas autoridades da sinagoga, a salvação de Deus vinha somente pela observância rigorosa da Lei e não pela prática da solidariedade e do serviço ao próximo. A religião ritualista aprisionava o povo. Jesus Cristo, salvador, transforma a água das talhas, usada nos rituais de purificação, em vinho bom, símbolo da vida plena. É importante observar que o milagre da vida acontece com a participação das pessoas sensíveis e solidárias como a mãe de Jesus e os serventes.
b)Superação de preconceitos. O encontro entre Jesus e a mulher samaritana (Jo 4,4-42). Ao reler essa narrativa, somos convocados para reavivar a nossa experiência de encontro com Jesus e anunciá-lo. O encontro começa com a sede de Jesus: ele pede água à mulher samaritana. Como havia desentendimentos entre judeus e samaritanos, a mulher imediatamente refuta o pedido. Após a mulher apresentar algumas objeções, Jesus explica que pode dar uma água que tem o poder de acabar definitivamente com a sede.

A mulher, representando o povo samaritano, também à espera do Messias, abre-se para o encontro com Jesus: “Eu sou esse Messias, eu que estou falando com você” (Jo 4,26). Ela deixa o cântaro e vai para a cidade com a certeza de que Jesus é o Messias. Havia muitos samaritanos nas comunidades cristãs, como também muitos estrangeiros; uma realidade conflituosa e difícil de aceitar, sobretudo para os judeus cristãos, enraizados na tradição judaica. Fazer memória da prática de Jesus é uma forma de voltar às raízes da proposta cristã e abrir-se para os outros povos, romper com os preconceitos e discriminações de etnia, origem, religião, gênero e idade.
c)Ser pastores e pastoras uns para os outros. O bom pastor (Jo 10,1-18). Essa narrativa apresenta a liderança de Jesus e nos convoca para rever nosso modelo de liderança. No Antigo Oriente, pastor era um título dado aos reis e aos governadores, que tinham o dever de defender e conduzir o povo. No tempo do Evangelho de João, Jesus é apresentado como o bom pastor que veio para dar a vida por suas ovelhas em oposição ao mercenário, que rouba, destrói e mata. Por trás desse texto está o conflito entre a comunidade cristã e as autoridades judaicas, de tendência farisaica, que buscam seus próprios interesses.

O bom pastor dá a vida por suas ovelhas e busca a vida plena para as pessoas. A comunidade joanina reforça qual é a missão de Jesus e das pessoas que seguem a sua prática: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Vida em abundância significa condições dignas de vida. Ouvir a voz do pastor é assumir o mesmo projeto. É comprometer-se com o projeto da justiça até o fim. É um convite para revermos se a nossa liderança conduz para a liberdade ou para a dependência e a passividade.
d)Amar e servir. “Vocês também devem lavar os pés uns dos outros” (Jo 13,1-20). O episódio do lava-pés apresenta Jesus ajoelhado, lavando os pés de seus discípulos. É um exemplo do que as comunidades cantavam desde a década de 50 d.C.: “Ele esvaziou-se a si mesmo e tomou a forma de servo” (Fl 2,7). No Antigo Oriente, lavar os pés constituía gesto de acolhida e hospitalidade que, em sua origem, era feito pelo dono da casa. No decorrer do tempo, tornou-se um serviço desprezado, feito por escravos. Em casa que não havia escravos, era realizado pelas filhas ou pela esposa do dono da casa.

Em uma sociedade escravista e hierárquica, um mundo organizado para que o escravo servisse o senhor, Jesus, Mestre e Senhor, assume o serviço de lavar os pés, eliminando a desigualdade e as diferenças sociais e, ao mesmo tempo, propondo uma sociedade igualitária e fraterna. Que esse gesto profético possa inspirar nossa vida e missão e reforçar nossa consciência de que seguir Jesus implica assumir a prática do amor-serviço e concretizar relações de cuidado recíproco nos meios em que vivemos. A comunidade deixa claro: Jesus é Mestre e Senhor pela capacidade de amar e servir. Essa é a nossa missão!
e)Reavivar a fé em Jesus ressuscitado. “Eu vi o Senhor” (Jo 20,11-18)Maria Madalena representa a comunidade junto ao sepulcro. Ela experimentou dor, angústia e sofrimento (Jo 20,11-15). Sua busca foi escrita tendo por inspiração a atitude da amada de Cântico dos Cânticos, que enfrenta várias dificuldades para encontrar o amado e não desiste enquanto não atinge seus objetivos (Ct 3,1-4). Mesmo sofrendo, a mulher permanece próxima ao túmulo e faz a experiência de encontro com o Ressuscitado ao ser chamada pelo nome.

A certeza que impulsionou a comunidade joanina e que continua nos impulsionando e nos enviando em missão é a de que Jesus está vivo e presente em nosso meio. Maria Madalena é a primeira testemunha da ressurreição. Esse encontro aconteceu porque ela venceu o medo. Em meio à situação de morte, a mulher resistiu, permaneceu até encontrar o Senhor. Na comunidade de João há muitas mulheres discípulas fiéis a Jesus que animam os outros a fazer o mesmo.
Esse texto é em grande parte recortado dos links abaixo, com o intuito de percorrer o caminho para o verdadeiro conhecimento de Jesus.

Percorrendo os Evangelhos para conhecer Jesus - parte I


Para a cristologia segundo a comunidade de Marcos, fica a pergunta: Quem é Jesus? O Evangelho se desenrola com essa dúvida:
Em Mc 1,27, após ensinar na sinagoga de Cafarnaum e expulsar um espírito impuro, surge a pergunta: “O que é isso? Um ensinamento novo, e com autoridade: ele dá ordens até aos espíritos impuros, e eles lhe obedecem!”
Em Mc 4,41, quando Jesus acalma a tempestade, seus discípulos espantados se perguntam: “Quem é este, a quem obedecem até o vento e o mar?”
Em Mc 6,1-6, as perguntas se multiplicam e começam as tentativas mais diversas para dar conta dessa personagem. Afinal quem é ele? Nesse trecho, Jesus estava ensinando na sinagoga de Nazaré e os presentes ali questionam: “De onde lhe vem isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E esses milagres (atos de poder) realizados por suas mãos? Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco?” Assim, a primeira tentativa o liga à sua origem familiar que não consta de muito prestígio social. Em Nazaré ele não pode realizar nenhum milagre por causa da incredulidade do povo.
Em 6,14-16, as possibilidades de resposta se alargam e a pessoa de Jesus recebe identificações com personagens da tradição profética. Uns dizem que é João Batista que ressuscitou dos mortos; outros dizem que ele é Elias; e ainda outros dizem que é um profeta como um dos antigos profetas. Herodes, após ouvir as opiniões, afirma: “Esse João, que eu mandei decapitar, ressuscitou”.
Em Mc 8,27-30, a última vez que a pergunta sobre a identidade de Jesus aparece no texto marcano, é feita pelo próprio Jesus e é dirigida aos discípulos: “Quem os homens dizem que eu sou?” A resposta é uma repetição quase idêntica à do texto de Herodes: João Batista, Elias ou um dos profetas. Em seguida, Jesus pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?” A resposta agora vem de Pedro: “Tu és o Cristo”.
Desde o início Jesus é uma figura que causa admiração em muitos, mas não se sabia direito quem ele era. O mais incrível é que, na narrativa marcana, de onde menos se espera, sai a “revelação” de quem ele era:
Assim, em Mc 1,24, o espírito impuro antes de ser expulso diz “eu sei quem tu és: o Santo de Deus!” Mais, em Mc 1,34, o texto diz que “ele curou a muitos e expulsou muitos demônios, e não lhes permita falar porque sabiam quem ele era”. Também em Mc 3,11, os espíritos impuros caem aos pés de Jesus gritando: “Tu és o Filho de Deus”.
Sigamos em frente pois a resposta ainda não foi de todo dada, ou ao menos, não de forma satisfatória. Após a confissão de Pedro, “Tu és o Cristo” (8,29), Jesus não diz se ele está certo ou errado, embora saibamos que sim, Pedro acertou. A resposta do apóstolo nos reporta para o começo da narrativa: “Evangelho de Jesus Cristo, filho de Deus” (Mc 1,1). Será que estamos perto de responder as perguntas que são feitas ao longo da narrativa?
Depois da confissão de Pedro, Jesus simplesmente começa a anunciar sua paixão, morte e ressurreição. Um escândalo para os discípulos. Jesus anuncia seu destino trágico três vezes (Mc 8,31; 9,31-32; 10,33-34) e em todas elas aparece o elemento da incompreensão. Era necessário superar a ideia nacionalista de um messias glorioso, vitorioso, conforme a ideia humana.
A glória e a vitória do Cristo se dão pelo caminho da cruz. Assim, para Marcos Jesus é o Messias: Filho do Homem crucificado e Filho de Deus ressuscitado.
O Evangelho de Marcos nasce da necessidade da comunidade de pôr por escrito suas memórias sobre quem é Jesus, reforçando que ele não é o Messias do poder e da glória, pois seu messianismo passa pelo sofrimento e pela cruz. Eis alguns pontos principais desse texto:
Para Mateus vemos desde o início a preocupação em reforçar a identidade de Jesus como único e verdadeiro Messias. Ao abrir o Evangelho de Mateus, lemos: “Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1,1). Desde as primeiras palavras ouvimos:
“Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,6-7);
“Com efeito, eu vos asseguro que, se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20);
“Pois, onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20);
“Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me” (Mt 25,35-36).

O conflito entre os judeus fariseus e os judeus-cristãos era grande. Nesse contexto, algumas perguntas pairavam na cabeça de muitos judeus: Quem falava verdadeiramente pelo Deus de Israel? Quem entendia e interpretava com exatidão a Torá? Quem estava capacitado para interpretar o passado e conduzir o povo de Deus ao futuro?
Segundo a Revista Vida Pastoral, eis alguns pontos importantes do Evangelho de Mateus:
a) As comunidades de Mateus acreditam em Jesus como o Messias, em oposição ao messias rei poderoso e defensor da Lei, esperado pelos fariseus (Mt 1,1-2,18). É o messianismo dos excluídos (Is 42,1-9) contra o messianismo do rei (Ez 37,21-28). Ele é o Messias anunciado pelos profetas, e a sua vida e prática eram cumprimento do plano determinado por Deus.
b) Jesus é o verdadeiro intérprete da Lei: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado” (5,17-18). Jesus é o único e verdadeiro Mestre da Lei (5,1; 23,8). A Lei deve estar a serviço da vida, e não condicionada à lei do puro-impuro (Lv 11-15), que acabou se transformando numa observância mecânica e lucrativa, excluindo muitas pessoas, especialmente os pobres.
c) A prática de Jesus pobre, humilde e misericordioso corresponde à justiça de Deus (11,28-30). Ele vem ao encontro do ser humano, perdoa e salva. A sua prática é baseada no amor e na misericórdia (9,13; 12,7). Uma justiça solidária!
d) A correção fraterna contra o legalismo e o rigorismo da sinagoga (18,23-35). É preciso sair e ir ao encontro da pessoa que errou! Essa comunidade proclama que, em Jesus, Deus está conosco: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (18,20). Sempre: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (28,20b).
e) O Juízo Final e o Reino dos Céus (24-25). O critério de julgamento no Juízo Final é a fidelidade à vontade de Deus. O que o Pai quer é a prática da misericórdia e da solidariedade, oposta à teologia da retribuição. Nesta teologia, a salvação (compreendida como prosperidade, vida longa, saúde e ressurreição) é uma retribuição a quem observa a Lei, visando somente à sua salvação e promoção individual. O Reino dos Céus está presente no meio das pessoas misericordiosas e solidárias e será definitivamente estabelecido por uma intervenção de Deus e do seu Messias. O Reino é fruto da gratuidade de Deus (Mt 13)!

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Maria no Antigo Testamento


         Maria no Antigo Testamento

         Podemos encontrar imagens da Virgem Maria por toda a Sagrada Escritura: no Gênesis e em Isaías, Miquéias e Sofonias, a Amada do Cântico dos Cânticos. Abigail, Rute, Judite e Esther. Expressões como filha de Sião, trono da sabedoria torre de Davi, estrela da manhã, arca da aliança são atribuídas a mãe de Deus e nossa.
Os primeiros relatos da Sagrada Escritura assinalam para uma dramática realidade: “Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a sua descendência; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). Costuma-se interpretar essa mulher, como Maria, a nova Eva:
Que dizia Adão outrora? A mulher que me deste ofereceu-me o fruto da árvore e eu comi. Eram palavras más, que agravavam a sua falta em vez de a apagarem. Mas a divina Sabedoria triunfou sobre tanta malícia; aquela ocasião de perdoar que Deus tinha tentado em vão fazer nascer, ao interrogar Adão, eis que agora a encontra no tesouro da sua inesgotável bondade. A primeira mulher é substituída por outra, uma mulher sábia no lugar da insensata, uma mulher humilde tanto quanto a outra era orgulhosa” (São Bernardo).
No desenrolar da história o profeta Isaias faz um esperançoso anúncio: “Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel” (Is 7,14)
O contexto dessa profecia aponta para Acaz que perde a guerra. Os assírios se tornaram colonizadores de Israel, mas Deus se manteve fiel. Ezequias, descendente de Davi, nasceu e se tornou rei, um bom rei. Ele foi visto como a presença de Deus no meio do povo, de Deus que não abandona, que permaneça ao lado de quem caminha. Por isso ele é Emanuel – Deus conosco. Na plenitude dos tempos, é o Filho de Deus, nascido de Maria, que vem caminhar no meio de nós!
Maria é a virgem, filha de Sião, que confiou em Deus, que disse “faça-se” cooperando decisivamente com o projeto de salvação.
O profeta Miqueias, faz fortes denúncias e julgamentos severos contra as autoridades do seu tempo. À luz de seu sofrimento, o profeta acredita que Javé, o Deus da vida, não aceita a injustiça. No século VIII a.C., Judá passou por momentos turbulentos, como guerra constantes, expropriação de produtos e de terras dos camponeses, recrutamento para os exércitos e para as obras públicas. Apesar dessa conflituosa realidade, o coração de Miqueias se enche de uma certeza:
“Agora, ajunta-te em tropas, ó filha de tropas; pôr-se-á cerco contra nós; ferirão com a vara no queixo ao juiz de Israel. Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade. Portanto os entregará até o tempo em que a que está de parto tiver dado à luz; então o resto de seus irmãos voltará aos filhos de Israel. E ele permanecerá, e apascentará o povo na força do Senhor, na excelência do nome do Senhor seu Deus; e eles permanecerão, porque agora ele será grande até os fins da terra” (5,1-4).
O texto fala diretamente de um rei-pastor, saído da tribo de Davi. Esse rei nasce do seio de Maria, nossa mãe e rainha. 
Por sua vez, o profeta Sofonias, que pregou entre os anos 640-630 a.C., durante o reinado de Josias (640-609 a.C.), rei que tentou fazer uma reforma religiosa no país entre os anos 622-621 a.C., exorto o povo a endireitar o seu caminho. Os tempos são difíceis, mais o profeta não deixa de anunciar novos tempos:
“Rejubila-te, filha de Sião, solta gritos de alegria, Israel! Alegra-te e exulta de todo o coração, filha de Jerusalém! O Senhor revogou tua sentença, eliminou teu inimigo. O Senhor, o rei de Israel, está no meio de ti, não verás mais a desgraça. Naquele dia, será dito a Jerusalém: Não temas, Sião! Não desfaleçam as tuas mãos! O Senhor teu Deus está no meio de ti, como um herói que salva! Ele exulta de alegria por tua causa, ele te renova por seu amor, ele se regozija por causa de ti com gritos de alegria, como nos dias de festa” (Sf 3, 14-18).
            De fato, o Senhor veio para o meio de nós. Ele veio nos trazer a salvação, e para isso, escolheu uma jovem, de um lugar marginal, Nazaré, mais que encontrou “graça” diante de Deus.
            Algumas mulheres da tradição vetero-testamentárias são figuras de Maria:
A humilde Abigail foi ao encontro de Davi, prostrou-se a seus pés e rogou ao rei que não imputasse a sua casa o castigo por causa dos ultrajes do seu marido (cf. 1 Sm 25, 23-25). Por causa de Abigail, Davi foi clemente (cf. 1 Sm 25, 26-35). Com a sua intercessão, Maria atrai o perdão de Deus que detém a mão do acusador que quer nos condenar ao inferno. Ela é a onipotência suplicante que roga continuamente por seus filhos. Débora, a juíza, contribui para a vitória do Povo que se sente ameaçado pelo inimigo que quer invadir e destruir (cf. Jz 4; 5). Que tamanha vitória nos foi dada pelo sacrifício redentor do filho de Maria, nosso Senhor e Salvador?
Diante da ameaça do poder estrangeiro, Judite é exaltada por sua coragem. Ela se “agiganta” ante o poder estrangeiro servindo-se de sua astucia e beleza para vencer essa luta desigual. Essa beleza também se encontra em Maria, ela que observou a lei, que viveu sua rotina “prenha de sentido” transformando o ordinário em extraordinário. Sua beleza se manifesta ainda mais radiante diante da cruz, quando permanece de pé.

Ave Maria, cheia de Graça!

domingo, 5 de maio de 2019

Uma pequena Introdução a Bíblia - Parte II



                A Bíblia é dividida em duas partes: a primeira costuma-se chamar de Antigo Testamento e a segunda de Novo Testamento.
            A palavra testamento, no hebraico Berît significa aliança, pacto; no grego diatheke, testamento, contrato. Toda a Sagrada Escritura é uma aliança entre Deus e o seu povo e essa é a melhor forma de compreender a pedagogia divina, “Tomar-vos-ei por meu povo, e serei o vosso Deus” (Ex 6,7).
            A começar pela criação, a aliança de Deus se manifesta através de toda obra criada testemunho da vontade do Criador que quer que o homem e a mulher se realizem como pessoa. Apesar do pecado de nossos primeiros pais, Deus não deixou de renovar a sua aliança através de Noé, Abraão, Isaac e Jacó, Moisés, os profetas até chegar a Jesus, Palavra de Deus, força de Deus para a salvação de toda pessoa, nova aliança e centro do Antigo e Novo Testamento. 
            As nossas traduções da Bíblia contêm sete livros a mais que as traduções protestantes. Para explicar essa diferença é preciso dizer que já antes de Cristo existiam duas versões da Bíblia do Antigo Testamento: a original de língua hebraica e uma tradução de língua grega, que era lida nas comunidades judaicas que num processo de inculturação, passaram a falar o grego. Os primeiros cristãos, na sua grande maioria, judeus de língua grega, liam as Sagradas Escrituras na tradução que ficou conhecida como Septuaginta. Todo o Novo Testamento foi escrito em grego.
No fim do séc. I, depois de expulsar os cristãos de suas sinagogas, as autoridades do Judaísmo, chegaram a um consenso e aceitaram só os livros do original hebraico. Nessa época circulava alguns livros que haviam sido escritos no grego (Jt, Tb, 1/2 Mc, Sb, Eclo e Br mais alguns fragmentos de Est e Dn) e que foram aceitos pelos cristãos como inspirados.
Por ocasião da reforma protestante, Martinho Lutero adotou a mesma linha das autoridades judaicas quanto ao AT mesmo seguindo a Bíblia grega (e latina) quanto à ordem dos livros. A justificativa católica quanto ao problema se dá porque esses sete livros faziam parte da Bíblia dos primeiros cristãos. Por causa da discussão em torno da canonicidade dos livros esses sete livros ficaram conhecidos como deuterocanônicos (aceitos como inspirados num segundo momento). O Quadro a seguir mostra os livros da Bíblia na sua totalidade:

Antigo Testamento (com base na LXX) Grifo: livros deuterocanônicos – recusados por protestantes/[grifo]: recusado por protestantes e católicos
Novo Testamento (católicos e protestantes)

Livros históricos
Gn, Ex, Lv, Nm, Dt
Js
Jz
Rt
1/2 Rs (=1/2 Sm)
3/4 Rs (= 1/2 Rs)
1/2 Paralipômenos (= 1/2 Cr)
[1 (ou 3) Esd]
2 Esd (Esd/Ne)
Est (+ fragmentos deuterocanônicos 10,4-16,24)
Jt
Tb
1/2 Macabeus
[3/4 Macabeus]
Livros sapienciais
Sl
[Odas]
Pr
Ecl
Ct
Sb
Sr
[Salmos de Salomão]



Livros proféticos
Is
Jr
Lm
Br/carta de Jeremias
Ez
Dn (+ fragmentos deuterocanônicos 13-14)
12 profetas menores
Os, Am, Mq, Jl, Ab, Jn, Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml
Evangelhos e Atos
Mt, Mc, Lc, Jo
Cartas Paulinas
Rm, 1/2 Cor, Gl, Ef, Fl, Cl, 1/2 Tm, Tt, Fm, Hb
Cartas Católicas
Tg, 1/2 Pd, 1/2/3 Jo, Jd
Apocalipse



A Bíblia judaica (que nos chamamos de Antigo Testamento) possue 24 livros divididos em três grupos:
T – Torá, a lei (de Moisés);
N – Nebiîm, os profetas:
 - anteriores;
 - posteriores;
k – Ketubîm, os escritos.

O Antigo Testamento

“Deus amantíssimo, desejando e preparando com solicitude a salvação de todo o gênero humano, escolheu por especial providência um povo a quem confiar as suas promessas. Tendo estabelecido aliança com Abraão (cf. Gn. 15,18), e com o povo de Israel por meio de Moisés (cf. Ex. 24,8), revelou-se ao Povo escolhido como único Deus verdadeiro e vivo, em palavras e obras, de tal modo que Israel pudesse conhecer por experiência os planos de Deus sobre os homens, os compreendesse cada vez mais profunda e claramente, ouvindo o mesmo Deus falar por boca dos profetas, e os difundisse mais amplamente entre os homens (cf. Sm. 21, 28-29; 95, 1-3; Is. 2, 1-4; Jr. 3,17). A “economia” da salvação de antemão anunciada, narrada e explicada pelos autores sagrados, encontra-se nos livros do Antigo Testamento como verdadeira palavra de Deus. Por isso, estes livros divinamente inspirados conservam um valor perene: Tudo quanto está escrito, para nossa instrução está escrito, para que, por meio da paciência e consolação que nos vem da Escritura, tenhamos esperança (Rom. 15,4)”(DV 14).


            A história do AT é a história de um povo, chamado povo de Israel, judeus, hebreus “aos quais pertencem à adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto, as promessas, aos quais pertencem os patriarcas, e dos quais descendem o Cristo, segundo a carne, que é acima de tudo, Deus bendito pelos séculos! Amém” (Rm 9,4)

O lugar onde passa essa história

            No livro do Gênesis, Deus faz duas promessas a Abraão: a terra e a descendência. A caminhada dos nossos primeiros pais é uma caminhada em busca da terra. Esse lugar antes conhecido como Canaã é chamado na história universal como Palestina. Esse nome vem dos antigos gregos que chamavam esse lugar assim por causa da população costeira, os filistim (filisteus). A administração do império romano chamava a região de Judéia. Conhecido hoje como Estado de Israel o lugar é palco de uma disputa entre judeus e palestinos pela posse da terra.
            O povo sofre várias influencias dos povos vizinhos e a maior preocupação do Israel antigo é com a idolatria, “Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20,3). Os cananeus e outros povos da região praticam normalmente uma religião do tipo sedentário venerando deuses locais da fertilidade chamados de báal (senhor, marido) ou mólok (rei). Ritos de prostituição sagrada e sacrifícios humanos tornaram essas religiões “abomináveis” aos olhos de Israel que não poucas vezes se deixaram levar por esses costumes.
            O que diferencia o povo de Israel desses povos semitas é sua religião. Em vez dos deuses locais eles adoram um único Deus, Javé, que caminha com o povo em toda a sua história. Os profetas manifestam a preocupação de que Israel permaneça nesse caminho “Eu sou Javé; não há nenhum outro” (Is 45,18c).

Os patriarcas

            A história do povo da Bíblia começa por volta de 1850 antes de Cristo. O livro do Deuteronômio, no capítulo 26,5 diz: “meu pai era um arameu errante”. Esta confissão de fé lida e relida ao longo das gerações recordava ao povo da Bíblia sua origem: Jacó, um arameu errante à procura de terra, que provou do gosto amargo da escravidão no Egito. Essa recordação foi provavelmente à semente de onde nasceu toda a experiência do povo da Bíblia, e que animou gerações e gerações a caminhar com Deus a procura de um lugar onde se afirme a liberdade.
            Jacó, também chamado Israel, era descendente de Abraão. Por volta de 1850 antes de Cristo, Abraão sai da Mesopotâmia e vai à procura de um lugar onde possa viver com sua família. A promessa que Deus faz o anima pelo caminho (Gn 12): a terra e a descendência. Essa era grande expectativa de todo o povo seminômade. Um lugar onde pudesse se estabelecer e uma descendência, pois os “filhos são a herança de Javé, é um salário o fruto do ventre” (Sl 127,3).   
            Abraão e seus descendentes, Isaac e Jacó, são conhecidos como patriarcas, pois foram eles os pais do povo da Bíblia. Abraão foi o pai na fé, aquele que por primeiro acreditou em Deus quando tudo a sua volta parecia impossível.
            O Novo Testamento quando faz um elogio a fé dos antepassados não deixa de relembrar os nossos primeiros pais: “Foi pela fé que Abraão respondendo ao chamado, obedeceu e partiu para uma terra que devia receber como herança e partiu sem saber para onde ia. Foi pela fé que residiu como estrangeiro na terra prometida, morando em tendas com Isaac e Jacó, os co-herdeiros da mesma promessa” (Hb 11, 8-9).

A experiência do Êxodo como evento fundamental da fé de Israel

            No final do livro das origens (Gênesis) Jacó, com sua família chega ao Egito e passa a morar nessa região. “Chega ao trono do Egito, um novo rei que preocupado com o povo hebreu (os hapirus, como eram conhecidos) os submetem a duros trabalhos” (cf. Ex 1,1ss). A situação fica muito difícil, a opressão torna a vida do povo insustentável, “então Deus ouviu os seus gemidos; Deus lembrou-se de sua aliança com Abraão, Isaac e Jacó. Deus viu os Israelitas e Deus se fez conhecer” (Ex 2,24-25).
            Moises é o personagem que Deus escolhe para conduzir o povo à libertação “Javé disse: ‘Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu grito por cauda dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso, desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta... Vai, pois eu te enviarei ao faraó, para fazer subir do Egito o meu povo, os israelitas’” (Ex 3,7-12).
            Este movimento de libertação, no entanto, durou um longo tempo. Foi uma caminhada cheia de tropeços, decepções, angústias e medos, em direção a Canaã. São muitos os que caminham e a experiência religiosa de Israel faz Deus caminhar ao seu lado, de dia e de noite. Moisés morre antes de chegar à terra prometida e, Josué o substitui na liderança do povo. Essa experiência passa a constituir a pedra fundamental de toda a fé de Israel, e o eixo de todo o Antigo Testamento.

Um sistema de tribos

            Pouco a pouco o povo hebreu vai ocupando a região de Canaã. Os conflitos são inevitáveis. A primeira forma de organização foi em tribos (o livro de Josué narra a entrada do povo em Canaã e a divisão da terra entre tribos). Cada tribo era autônoma e possuía um governo próprio. O que unia as tribos era a fé no mesmo Deus, único, que os libertou da escravidão. Esse governo por vezes era exercido pelos juízes que procuravam por em prática um sistema igualitário, de acordo com as leis que Deus havia dado durante a caminhada pelo deserto (estas leis estão em Êxodo 20,1-21).

A monarquia unida

            A experiência em tribos não durou muito tempo. Samuel foi o último dos juízes que levou adiante a organização das tribos sem um rei. Por causa dos ataques constantes de outros povos, em 1030 as tribos do norte e do sul decidiram que deveriam se organizar como as outras nações, tendo à sua frente um rei. Começa então a monarquia, sendo o primeiro rei Saul. O segundo rei foi Davi, considerado o maior rei de Israel. Ele vence as nações vizinhas, aumenta as fronteiras do reino e escolhe Jerusalém como capital. Na época do terceiro rei, Salomão, surge os primeiros escritos da Bíblia, que reuniam as tradições que se transmitiam oralmente de geração em geração.
            Com a monarquia aparecem também os profetas, que chamam a atenção dos reis, das autoridades e do povo por causa da aliança que era freqüentemente desrespeitada.

A monarquia dividida

            Quando morre o rei Salomão, em 931, as tribos encontram-se numa situação de conflitos políticos. As tribos do norte não querem aceitar o filho de Salomão como rei, e o reino acaba sendo dividido. As tribos do norte formam o reino do Norte, ou Israel, com o rei Jeroboão I. O sul, fiel a Davi e Salomão, formam o reino do Sul, ou Judá, com o rei Roboão.

As dominações e o exílio

            Durante toda a história dos reis, Israel e Judá tiveram que lutar contra outros povos para manter a própria terra. Em 722, porém, os assírios invadem o reino do Norte e destroem a capital, Samaria. Acaba, assim, o reino do Norte, e os hebreus que habitavam o reino do Norte são deportados para a Assíria.
            Em 586, 150 depois, é a vez do reino do Sul. A Babilônia, havia se tornado um forte império e tinha conquistado a Assíria. Em dois golpes conquista a capital do reino do Sul, Jerusalém, e põe fim ao reino. Boa parte da população é levada para a Babilônia, onde fica por 50 anos. É o tempo conhecido como “exílio”.

A reconstrução sob o poder estrangeiro

            Em 539 a Pérsia vence a Babilônia, e o rei persa Ciro permite que o povo judeu volte à terra de onde tinha sido tirado pelos babilônios. Começa então a reconstrução do templo de Jerusalém, mais daí em diante o povo de Deus nunca mais teve liberdade política, pois foi sempre subjugado por nações estrangeiras. A esperança de reconquistar a liberdade, no entanto, nunca morreu, e no meio do povo foi se acendendo sempre mais a esperança de que viesse um novo libertador, um descendente de Davi, um messias (ou seja, alguém ungido como rei) que libertasse o povo judeu do poder estrangeiro.

Quadro histórico

Foi a partir desse quadro histórico que foi se formando os livros da Bíblia no Antigo Testamento. Eles são como “uma luz que ilumina os passos do povo durante toda a sua trajetória”:

Impérios
As comunidades bíblicas
Eventos significativos
A literatura bíblica
Profetas        Narrativa        Leis e culto            Sabedoria

Egípcios


















Assíria






Babilônia




Pérsia





Gregos





Romanos 


  1500                        Israel em Canaã e no Egito
  1250                                          Êxodo: Moisés
 1200 (Josué/Juízes)                Conquista das cidades
                                                     Organização das tribos
 1300                                           início da Monarquia
                                                     Saul rei de Israel
1010                                           Davi, rei de Judá e Israel
970                                             Salomão
Primeiro templo
933                                           Cisma político
                     Israel (Norte)                       Judá (Sul)
                     Jeroboão I                            Roboão
             886 Omri
            875 Acab
           841 Jeú                                   841 Atália
          787 Jroboão II   
                                                           781 Ozias
         746 Manaém
                                                          735 Acaz
        732 Oséias
       722 QUEDA DE SAMARIA
               Deportados                    716 Ezequias
               Samaritanos                   640 Josias
                                                        609 Joaquim                         
                                                       598 Jeconias
                                                      597 Sedecias
                                                      586 Destruição do templo
                                                              Exílio da Babilônia
EXÍLIO

PÓS-EXÍLIO                                538 Volta sob o Edito de Ciro
Segundo templo
                                                   520 Zorobabel
JUDAÍSMO   oposição dos     458 Esdras
ANTIGO        samaritanos      445 Nemias
300                   Cisma Samaritano/Templo Garizim
Lágidas                               167-164 Antíoco/ Macabeus
Selêucidas
Macabeus            Judas/Jonatas/Simão/João                                                
Hasmoneus                     Hircano
                      120 destruição do templo Garizim
Ocupação romana
                                 
                      Sagas e lendas                Sacrifícios/circuncisão
 Moisés                     Êxodo                               Decálogo/Leis
                                  Canto de Mírian
                                                                             Código da aliança
Samuel

Natã
                                 Ciclo de Davi e Salomão Liturgia do templo                 Salmos/Provérbios

Aías
                                 Anais dos reis
Elias
Eliseu                                                                  Leis da santidade


Amós
Oseías



Miquéias
Isaías
Sofonias                                                         Deuteron. primitivo
Naum
Habacuc
Jeremias



                                   Obra deuteronomista
Ezequiel
2o Isaías
Abdias
                                  Obra sacerdotal                                                       Rute
3o Isaías                                                                                                      Ct, Jó, Pr, Ecl, Est, Dn
Ageu                                                                                                                                  
Zacarias
Malaquias           Torá (lei) – Gn, Ex, Lv, Nm, Dt.
Joel                      Profetas anteriores – Js, Jz, Sm, Rs
Jonas
2o Zacarias          Historiografia cronista                                         Tb, Sr, 2 Mc, Jt, 1 Mc, Br, Sb
Tradução dos LXX