A casa do ressuscitado
“A paz esteja convosco” (Jo
20,19.21)
No tempo de Jesus, a Palestina era
dominada pelo Império Romano que impunha a sua “pax et securitas” uma propaganda ideológica imposta pelo uso das
armas. O Imperador celebrava uma paz assegurada pela força. Foi assim que
Augusto “pacificou” a Gália, Espanha, Alemanha, Etiópia, Arábia e Egito
vencendo guerras e estabelecendo cláusulas de paz e segurança para justificar a
perda de autonomia do povo subjugado que compensasse os temores iniciais da
dominação. Por meio dessa ideologia acabavam alcançando seus intentos.
O povo judeu foi subjugado pelo
império romano. Para esse povo a concepção de paz não era apenas ausência de
guerra ou conflito, nem mera passividade mais sim o bem estar da vida
cotidiana. Eles entendiam que era preciso completar o que estava faltando para
se atingir à plenitude. Por exemplo, quando alguém começa a construção de uma
casa, a paz é estabelecida quando se chega ao fim da obra começada. O trabalho
é gigantesco e muda a rotina de todos na casa. Porém, quando se conclui, a
satisfação nos deixa em um estado de paz. A mesma coisa pode se dizer de um
aluno que começa um trabalho escolar. Sua paz chega quando ele conclui o
trabalho passando a respirar sossegado. Imagine a paz que se instala no devedor
que consegue pagar suas dívidas?
“Certo dia, conversando com seus
discípulos, Jesus diz:” deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou
como o mundo dá. Não se perturbe nem se intimide vosso coração “(Jo 14,27).
A Sagrada Escritura conhece a Deus
como o “Deus da paz” (Cf. Is 9,5). Ela se manifesta a nós como uma saudação que
contempla os desejos mais profundos do ser humano que envolve bem-estar e a
tranqüilidade. Foi isso que o Divino Mestre desejou aos seus apóstolos. Eles
estavam trancados por medo dos judeus (Cf. 20,19), afinal, a dor, a angústia e
a tristeza tinham tomado o coração deles. A paz desejada pelo ressuscitado traz
ao coração dos discípulos a paz que eles precisavam, aquietando suas almas
atribuladas.
Muitas
casas estão precisando receber a visita do ressuscitado, o Shalom de Deus que
cura os corações atribulados por causa da dor da cruz. Pra que isso aconteça,
não fuja da cruz, encare suas dores e sofrimentos, não se esconda nem corra,
porque isso não vai resolver. É preciso enfrentar. Por isso mesmo Nosso Senhor
exortou seus discípulos a “carregar a cruz e seguir” (Cf. Mt 16,24).
Um pouco antes, ouvimos o autor sagrado dizer
que “no primeiro dia da semana, Maria
Madalena foi ao túmulo logo de manhã. Recebeu então de Jesus a ordem de ir
anunciar aos Apóstolos a Boa-Nova da Ressurreição. Maria Madalena foi e
anunciou aos discípulos: Vi o Senhor” (Cf. Jo 20,1-18). Quem foi essa
mulher que a Tradição, na Igreja Oriental, a
chamou de isapóstolos
“igual a um apóstolo” e, na Igreja Ocidental, apostola apostolorum “apóstolo dos
apóstolos”? Uma mulher marcada pela paz do Senhor! Antes, ela foi
possuída por sete demônios (Cf. Lc 8,1-3) que foram expulsos por Jesus. Sabemos
que as doenças eram atribuídas aos demônios (cf. 2Cr 16, 12); por isso, podemos
entrever que esses “sete demônios” (número que indica plenitude) significava
uma doença muito grave da qual ela foi curada. Sua tarefa foi uma miniatura da
que a Igreja recebeu como um imperativo.
Como
já foi dito, a paz é o que mais desejamos. Por isso, quando recebo a paz que
vem do cristo ressuscitado, devo prontamente comunicar essa mesma paz: “como são belos, sobre os montes, os pés do
mensageiro que anuncia a paz, do que proclama boas novas e anuncia a salvação,
do que diz a Sião: o teu Deus reina” (IS 52,7). A paz que habita em mim
deve se tornar paz para os irmãos e irmãs que necessitam de paz, principalmente
os que moram comigo.
Qual
o contrário da paz? Quando investiguei o antônimo me deparei com significados
que delineiam uma necessidade urgente da paz como caminho de cura: aflição,
angústia, ansiedade, medo, pânico, confusão, gritaria, discórdia,
desentendimento, desacordo, inquietação, confusão, etc. Essa lista é bem maior,
mas essas palavras já são suficientes para recordar que a ausência de paz põe
em risco e perturba o bem-estar familiar. Coisas corriqueiras podem afligir uma
família: realidade financeira, o futuro dos filhos, o medo da violência, os
traumas, a doença de um parente, a morte, os fracassos e decepções,
divergências. Podíamos nos prolongar bem mais nos exemplos, mas esses já nos
levam a entender a necessidade de receber “a paz do ressuscitado”.
Estamos
testemunhando um emaranhado de fios descascados que tem provocado um curto
circuito existencial. Conflitos de toda ordem tem nos atingido com a força de
um “choque” nos deixando por vezes, atônitos. Como estamos ligados uns aos
outros, sentimos as conseqüências de um mundo violento que não sabe onde
encontrar a paz. As portas da casa do ressuscitado estão abertas, é preciso
entrar nela nem que seja se arrastando, pois de outro jeito não assistiremos
uma mudança real.
Ficamos
assustados quando uma criança de 12 anos nos assalta com uma arma em punho.
Rapidamente julgamos e desejamos que as leis sejam aplicadas pra que essa
criança seja punida exemplarmente. Só nos esquecemos que ela está ligada a
esses fios descascados e tem sido atingida por fortes descargas de exclusão e
marginalização. Ela não é um fio solto lançado no tempo, ela está fortemente
ligada a realidades conflitivas que não foram administradas. Choramos por
nossas perdas, mais às vezes não derramamos uma lágrima pela conversão dessa
criança, ao contrário, o classificamos prontamente como delinquente e bradamos
pra que ela seja punida com severidade.
O
exemplo acima demonstra que existem tensões que testemunhamos cotidianamente.
Conflitos que criam um estado de guerra destruindo valores essências como
confiança, respeito, cooperação e perdão. Brigas, contendas, xingamentos,
intrigas, fazem parte de um receituário que não cura, e sim adoece. Em muitas
circunstancias, esse receituário pode levar a morte.
Na tradição
judaica falava-se da lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”. De
influência babilônica, esse princípio já demonstrava um avanço do ponto de
vista da convivência social, pois antes o que prevalecia era a lei de Lamec
onde se agia por impulsividade, tendo a força como determinante nas relações de
poder. Através da lei de Talião se esperava que o judeu agisse com
proporcionalidade, imputando ao culpado uma pena na mesma medida do mal
infligido. No sermão da montanha, Jesus de Nazaré põe em relevo essa lei dando
a ela uma nova interpretação “não
resistais ao mau. Pelo contrário, se alguém te esbofeteia na face direita,
vira-lhe também a outra”.
Qual lei impera
em minha casa? A lei de Lamec, a do Talião ou a do Cristo ressuscitado? Quando
somos impulsionados pela lei de Lamec nos tornamos agressivos, violentos.
Gostamos de uma boa briga, provocamos, insultamos, colocamos “lenha na
fogueira” pra que o fogo da discórdia cresça rápido. Acabamos dominando os mais
fracos não nos importando com o sofrimento causado. Com a lei de Talião queremos
pagar na mesma moeda, na lógica de que o “mal com o mal se paga”. Isso faz
crescer o círculo do ódio, vingança e inimizade. Precisamos urgentemente
revogar essas duas leis pra começar a reconstruir nossa casa que se encontra em
ruína. Para essa grande tarefa devemos assumir a lei evangélica proposta pelo
Mestre: “amai vossos inimigos, fazei bem
aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44).
É
urgente uma educação para a paz que percorra em primeiro lugar a casa do
ressuscitado, lugar do encontro transformador que produz em nós a força
necessária para vencer o mal. Termino com uma profecia em forma de poesia:
Vida
ou morte
ou vida de morte?
Parto de dor,
vida sem amor, campo sem flor.
Em vez da abundância das águas, a seca da nascente.
Vento frio, escuridão ao meio dia.
Jovens sem esperança, crianças sem brincar.
Ausência de lar, paz,
cor e calor.
Vida ou morte
ou morte de vida?
Espera-se um novo dia, onde a vida escondida
se torne conhecida.
Onde se abrirão os olhos dos cegos,
o ouvido dos surdos,
a boca dos mudos.
Com mãos fortalecidas e joelhos revigorados
soltaremos de cima dos telhados
o grito de vitória na madrugada
daquele eterno dia onde a vida venceu a morte.
ou vida de morte?
Parto de dor,
vida sem amor, campo sem flor.
Em vez da abundância das águas, a seca da nascente.
Vento frio, escuridão ao meio dia.
Jovens sem esperança, crianças sem brincar.
Ausência de lar, paz,
cor e calor.
Vida ou morte
ou morte de vida?
Espera-se um novo dia, onde a vida escondida
se torne conhecida.
Onde se abrirão os olhos dos cegos,
o ouvido dos surdos,
a boca dos mudos.
Com mãos fortalecidas e joelhos revigorados
soltaremos de cima dos telhados
o grito de vitória na madrugada
daquele eterno dia onde a vida venceu a morte.
4 comentários:
Shalom a humanidade,que o ressuscitado nos encontre com o desejo da verdadeira paz que vem dele mesmo...Deus abençoe vc pastor.🔥🔥🔥
Eu também vos desejo a Paz inquieta do Senhor! Júlio CCT
Que a paz do Ressuscitado possa invadir o nosso coração e possamos mergulhar em seu Amor! Que tenhamos nossa rotina mudada e inquieta ao ponto de sermos transformados pelos verdadeiros exemplos de humildade e mansidão que vem do Nosso Doce Jesus!!!
Deus abençoe vocês! Feliz Páscoa!
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