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quarta-feira, 17 de abril de 2019

A casa da ceia

Jesus enviou Pedro e João, dizendo: ide e preparai-nos a ceia da Páscoa. Perguntaram-lhe eles: onde queres que a preparemos? Ele respondeu: ao entrares na cidade, encontrareis um homem carregando uma bilha de água; segui-o até a casa em que ele entrar, e direis ao dono da casa: o Mestre pergunta-te: onde está a sala em que comerei a Páscoa com meus discípulos? Ele vos mostrará no andar superior uma grande sala mobiliada, e ali fazei os preparativos” (Lc 11, 8ss)
A diakonia é um grande aprendizado que fazemos quando olhamos para a práxis do Mestre. Ele mesmo disse que veio para “servir e não ser servido” (Cf. Mt. 20,28). Na multiplicação dos pães, o Senhor partiu o pão e deu aos discípulos pra que distribuíssem (Cf. Mt 14,19). Assim o fizeram. Nessa outra ocasião, Pedro e João fizeram o que aprenderam preparando o ambiente para a ceia.
E quem era o homem que emprestou a casa para a última ceia do Senhor? Não sabemos. A verdade é que esse anônimo foi testemunha do memorial da Eucaristia, sinal do amor de Deus que se doa por nossa salvação.
Esse homem abriu a porta da sua casa e recebeu toda a comitiva de Jesus. Quem costumamos receber em nossa casa? Alguém com quem estabelecemos uma relação de intimidade, afinal, esse é nosso lugar, as paredes escondem o que somos, guardam nossa história. Quando alguém entra na minha casa descobre quais são as minhas crenças, meus valores. Entrar na casa é entrar na forma como às pessoas vivem, se relacionam, seus gostos e preferências, seus sonhos e esperanças. Podemos também tocar um mundo de sombras, de tormentos e tristezas, isso porque máscaras podem ser usadas para esconder quem realmente somos. Às vezes, dramatizamos um “comportamento adequado”, com o intuito de ocultar os males que nos atormentam e maltratam.
A ação do dono da casa é para nós um convite permanente de Deus que diz, “abre a porta da tua casa, deixa eu entrar...”. Essa casa onde é celebrada a ceia é um convite permanente a intimidade. Nossa alma é como uma porta que precisa ser aberta. Só que ela não se abre assim tão facilmente. Existe uma voz que ecoa nos chamando, se presto atenção nessa voz, corro o risco de aceitar sua entrada. Quando isso acontece, me deixo conhecer como eu sou. Quanto mais tempo essa pessoa passa em minha casa maior será o conhecimento que teremos um do outro. “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir à porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo” (Ap. 3,20). Já imaginou o que vai acontecer com você se a porta da sua alma se abrir para Deus? Quanto mais tempo você deixar Deus ficar com você, mais amor se manifestará como uma luz a dissipar toda escuridão. Como Deus nos conhece “sabe tudo...quando sento ou me levanto...quando ando e quando repouso...” (cf. Sl 138) ele acaba sendo nossa melhor companhia. Podemos até rejeitar o Senhor, mais Ele permanecerá à espera de um convite, e quando isso acontecer, tudo se transformará.
O dono daquela casa onde foi celebrada a ceia ouviu o recado do Senhor e deixou que eles entrassem. Esse homem entrou na intimidade, participou do mistério. Devemos receber continuamente essa visita bendita em nossa casa interior pra que tudo seja iluminado. Na escuridão tudo se esconde, impera a desconfiança, o medo e a dúvida. Temos dificuldade de sair do lugar. Se continuamos caminhando na escuridão, tropeçamos, caímos e nos machucamos. Não podemos temer a luz, ao contrário, devemos nos expor. “Deus é luz” (1 Jo 1,5), Quando sua luz nos atinge, tudo fica às claras e a sombra do erro, da discórdia, da ira, da exclusão, dos preconceitos, das maldições vão se dissipando.
O que se espera quando recebemos alguém em nossa casa é que isso nos cause grande alegria, contentamento, porque é momento de celebração. Sempre inventamos motivos pra ficarmos juntos: aniversários, comemorações como dia das crianças, dos pais, das mães, Páscoa, Natal, etc. Nessa hora organizamos tudo. A casa é o lugar para reunir, unir às pessoas que gostamos, colocar o papo em dia, falar das conquistas, das dificuldades, enfim, fazer dessa ocasião uma oportunidade de criar vínculos. Nessa hora, acolho, partilho, quero agradar. Às vezes não estamos tão bem, mais “disfarçamos” procurando oferecer nosso sorriso aos que chegam.
Vejamos o exemplo dos aniversários. Quando se aproxima a data de aniversário de alguém que amamos já começamos a imaginar como vamos comemorar essa “data querida”. Começamos a organizar tudo. Enfeitamos a casa com balões, frases, imagens. Não pode faltar o bolo. Logo juntamos e cantamos o tradicional “parabéns pra você”. Todo o esforço que fazemos para celebrar o dom da vida de quem importa pra nós, se torna uma chance mútua de cura do egoísmo, da ingratidão, soberba e orgulho. Quando desprezamos ou não valorizamos momentos como esse, nos tornamos insensíveis, frios e indiferentes e vamos nos distanciando do que realmente importa. Com a Eucaristia aprendemos o verdadeiro significado desses momentos.
“Antes da festa da Páscoa, sabendo que chegara a sua hora...” (Jo 13,1) ele quis permanecer junto dos seus discípulos. Tendo encontrado o lugar, tudo foi preparado como os costumes judaicos e durante a refeição todos ouviram atentamente o que o Senhor disse: “Este é o meu corpo... Este é o meu sangue... fazei isso em memória de mim”. A partir de então sempre que celebramos essa sagrada refeição entramos novamente nessa casa, sentamos a mesa para receber esse alimento divino e passamos a cultivar uma espiritualidade eucarística.
Quando sentamo-nos à mesa cultivamos essa espiritualidade eucarística, aprendemos a ouvir a voz daquele que fala conosco. Nesse amoroso dialogo aprendemos a verdadeira diakonia, um serviço feito com amor, pois essa é sua exigência fundamental. Quem se aproxima da mesa come, pois o Cristo Senhor se oferece como alimento nos transformando em sacrifício agradável a Deus: por Cristo, com Cristo e em Cristo. A dimensão sacrifical empenha, portanto, a vida. Daí a espiritualidade do sacrifício, do dom de si, da gratuidade, da oblatividade que o viver cristão exige encontra no chão da nossa casa um terreno pra ser vivido. No pão e no vinho que levamos ao altar está representada a nossa existência, o sofrimento e o empenho de viver como Cristo, e segundo o mandamento dado aos seus discípulos. 
Saindo da nossa casa vamos à outra para celebrar a alegria de nos encontrar em torno da fé eucarística. É saudoso vê algumas pessoas que recordam com satisfação o tempo em que os pais reuniam toda a família para ir a Missa. Não se deixava ninguém em casa. Os filhos sentavam nos bancos da Igreja e só levantavam quando terminava a celebração. Hoje existem tantas outras oportunidades aos domingos, que encontramos famílias dizerem que não foram à missa porque não tiveram tempo ou porque estão muito cansados. A Missa já não reúne mais, parece que já não é mais aquela festa de antes. O que mudou? Apela-se constantemente pra novas tecnologias, avanços e ideologias que semeiam uma nova forma de se relacionar com o mundo. Os tempos são outros sim, mas Cristo continua o mesmo, alimento dos cristãos. Devemos reencontrar o sentido da Eucaristia, “beleza tão antiga e sempre nova”.
           Uma coisa é certa: a família que celebra o dom de Cristo na Eucaristia aprendem a partir, partilhar, respeitar as diferenças e reconhecer a nossa igualdade como filhos e filhas de Deus. Cultivam virtudes que criam a possibilidade de uma nova sociedade marcada pela bondade, paciência, justiça e amor. Reconhecem a missão de transformar o mundo pelo testemunho de vida familiar onde o perdão reina absoluto. Sabem que na comunhão, todos podem chegar de mãos dadas ao novo Reino de paz. Criam laços de solidariedade movidos pela compaixão evangélica que não se conforma com as inúmeras desigualdades, injustiças e omissões do nosso tempo. Creio que é urgente que as famílias redescubram o valor perene da Eucaristia como condição pra uma nova ordem social, baseadas em princípios que não envelhecem ao longo do tempo.  

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