A RCC nasce logo após a
conclusão do Concílio Vaticano II, no conhecido “final de semana de Duquesne”,
em fevereiro de 1967, na universidade de Duquesne, nos Estados Unidos.
É um período em que a própria
Igreja abre as portas para dialogar com o mundo. Esse novo movimento nasce num
contexto de pós-modernidade.
A pós-modernidade
caracteriza-se por uma passagem de um estágio de exaltação da razão, do
progresso técnico-científico e do primado da razão para um ceticismo ou
niilismo radical. No contexto do capitalismo tardio, a globalização e o
neoliberalismo caracterizam a nova fase, marcada pela realidade do mercado,
onde o que interessa é o cidadão produtor, consumidor e trabalhador. A
pós-modernidade passa a questionar os valores hegemônicos construídos sobre o
primado da razão, como dos ideais e instituições, em um clima de desconfiança,
pessimismo e afrouxamento das relações.
Nesse ambiente pós-moderno que
se percebe um surto espantoso da busca do sagrado, ou seja, de um despertar
místico. Nesse horizonte, surge um mercado livre de experiências religiosas, já
que não há mais o monopólio de uma única instituição religiosa. Desse modo, a
necessidade de conquistar adeptos, se torna condição para a continuidade de
expressões religiosas. Observa-se, nessa nova condição, o fenômeno da migração
religiosa.
A renovação religiosa parece
emergir na desilusão do racionalismo e de suas propostas salvadoras. A
racionalidade instrumental não correspondeu adequadamente às expectativas que
gerou em relação ao progresso e futuro feliz para a humanidade. Na verdade, ele
se voltou contra o próprio homem, gerando grande disparidade social.
A RCC surge nos Estados Unidos e se espalha pelo
mundo
Renova os teus milagres
nesse nosso dia, como em um novo pentecostes. Permita que a tua Igreja, unida
em pensamento e firme em oração com Maria a mãe de Jesus, e guiada pelo
abençoado Pedro, possa prosseguir na construção do reino de nosso divino
Salvador, reino de verdade e de justiça, reino de amor e de paz[1].
O Papa João XXIII rezou esta
oração no inicio do Concílio Vaticano II (1962-1965). Suas palavras exprimem o
desejo de que se renove na Igreja o extraordinário evento de Pentecostes, que o
Espírito que atua continuamente desde o nascimento da Igreja “faça nova todas
as coisas” (Is 43,19).
Existiu na universidade de
Duquesne, Pensilvânia, uma sociedade chamada CHI RHO que tinha como finalidade
estimular a pratica da oração e da participação na liturgia, a evangelização e
ação social. Dois professores, que exerciam o papel de moderadores da
fraternidade, participavam do movimento dos Cursilhos. Eles receberam de
amigos, dois livros que o influenciaram bastante, exercendo papel-chave na
experiência do batismo no Espírito Santo pela qual esses homens iriam passar.
Um desses livros é a “cruz e o punhal”, escrito por David Wilkerson com Jonh e
Elizabeth Sherrill, publicado originalmente em 1963. O outro é “eles falaram
outras línguas”, escrito por Jonh Sherrill e publicado por Mc Graw Hill em
1964. Esse último descreve detalhadamente a pesquisa do autor, a respeito do
fenômeno conhecido como “falar em línguas”.
“A cruz e o punhal”, é a
dramática história de um pregador pentecostal de uma pequena cidade chamado
David Wilkerson, que é conduzido pelo Espírito Santo para trabalhar junto a
gangs de ruas do Distrito de Bedford-Stuyvestand, de Nova York. É um testemunho
do dinamismo de fé e uma introdução a chamada “experiência do batismo no
Espírito Santo”.
A partir da primavera de 1966,
os dois professores rezavam diariamente para que fossem renovados neles as
graças dos sacramentos do Batismo e da Crisma, para que pudessem testemunhar o
amor e o poder de Cristo Jesus.
Depois de um tempo de oração e
reflexão, tomaram a decisão de procurar alguns neopentecostais. Ligaram para o
Padre William Lewis da Igreja de Christ Church situada no subúrbio de North
Hill, da cidade de Pittsburgh, para saber dele se conhecia os livros de
Wilkerson e Sherrill. Ele respondeu que
sim, e que poderia apresentar-lhes uma de suas paroquianas que tinham recebido
o “batismo no Espírito Santo”. Era Flo Dodge, Presbiteriana, que coordenava em
sua casa um grupo de oração de orientação ecumênica.
Quatro visitantes da
Universidade de Duquesne chegaram a cada de Flo Dodge, em North Hills , incluindo
os dois professores. Durante a reunião de oração, eles pediram o “batismo no
Espírito Santo. No livro “Como um novo Pentecostes”, de Patty Gallagher
Mansfield[2],
a autora traz uma descrição dos professores que compareceram e a reunião de
oração naquela noite:
“Minha esposa, dois colegas e
eu nos dirigimos com cautela a um típico ‘lar suburbano’, onde logo ao entrar
fomos atingidos pelo calor humano das pessoas que lá estavam. Era como uma
reunião de família, da qual já fazíamos parte. Eu me lembro que para abrir a
reunião eles cantaram quatro ou cincos hinos da linha tradicional das escolas
dominicais protestantes. Seguiu-se uma longa sessão de preces de improviso. A
cada tempo uma pessoa liderava as preces, sendo a sua voz acompanhada por vozes
que mais pareciam em diferentes tonalidades do que o balbuciar incompreensivo
dos ruídos vocais sem sentido. Havia também, um pouco de oração em línguas, o
que se fazia, suavemente, sem interferência sobre as preces principais. Em
seguida, eles começaram a compartilhar citações de passagens bíblicas, o que
faziam de maneira notável. Eles trocaram entre si as leituras que tinham feito
durante a semana, referenciando-as a uma variedade de experiências de vida,
passadas e atuais. O que nos impressionou, foi a qualidade da teologia cristã
dali resultante. Era uma teologia da graça, voltada para a ressurreição, do
mesmo gênero daquela que encontramos nos cursilhos e nos bons livros de textos
teológicos; mas ali, tudo era espontâneo, sem qualquer texto impresso. A
teologia atuante do grupo que se reunia e rezava em conjunto, era positiva,
natural e alegre, pois tinha sua base nas epístolas paulinas. Eu franzi a testa
uma e outra vez, quando alguém se referiu a inteligência e ‘como é perigoso,
etc’. Na verdade, eu já começava a apertar os dentes, até que ouvi alguém
dizer: ‘vocês sabem, eu penso que o Senhor tem também o mesmo propósito’, e
isto deu ensejo a uma discussão esclarecedora muito positiva. Minha única outra
objeção foi a maneira como eles estavam usando as escrituras. Fundamentalista,
não seria a palavra exata. Era mais devida ao fato de que eles tendiam a uma
leitura da bíblia como faziam os primeiros cristãos, de uma forma altamente
alegórica. Por um momento isto, me punha fora de sintonia. Mas, mesmo assim, eu
podia ver através dessa maneira um autêntico testemunho do sentimento da
presença de Deus. Talvez seja por isso mesmo que eu me incomodava: eu sempre
tive receio desta mentalidade ‘de tubulação’ superdireta de comunicação com
Deus. Todavia, como um dos nossos amigos comentou, talvez nós exageremos dando
demasiada ênfase à causalidade secundária, de tal modo que nunca temos a percepção da presença de Deus, atuando em
alguma coisa diferente. De um modo geral, não foi uma noite extraordinária, mas
que nos levou a pensar e orar. E que nos deixou com uma sensação permanente de
que ali operou-se um movimento de Deus”.
A sociedade CHI RHO estava se
preparando para um retiro, onde buscavam uma nova orientação para o trabalho
dentro da universidade. Os dois professores sugeriram após a visita na casa de
Flo Dodge, que o tema do retiro fosse mudado de “sermão da montanha” para “Atos
dos Apóstolos”, sem que dissessem o que havia acontecido com eles. Os outros
conselheiros mesmo sem entender aceitaram a sugestão.
Na data estabelecida para a
realização do retiro, os jovens universitários se encontraram na casa de
retiro. Os professores orientaram o grupo para que cantassem um antigo hino ao
Espírito Santo chamado “Veni, Creator Spiritus”, implorando a ação do Espírito
Santo naquele encontro.
As palestras tinham seu foco
nos primeiros quatro capítulos dos Atos dos Apóstolos. Os Professores
coordenadores haviam convidado para que participasse do retiro e se dirigisse
aos estudantes, àquela senhora com quem se encontraram no grupo de oração de
Chapel Hill. Durante a discussão que seguiu a sua palestra, um estudante
apresentou a proposta de que todos renovassem o seu compromisso de Crisma.
Depois disso, à noite, alguns jovens, espontaneamente, foram se dirigindo a
capela e experimentaram de forma atuante, o batismo no Espírito Santo.
A RCC chega ao Brasil
No Brasil, estamos em um
período de ditadura militar, e a luta de vários grupos pela democratização do
nosso País.
Estamos acompanhando o
surgimento e desenvolvimento de novas formas oriundas do pentecostalismo
clássico como a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), e Deus é Amor (1962),
como também do neopentecostalismo no inicio dos anos 70 com a Igreja Universal do
Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça.
Essa experiência que ocorreu
na Universidade de Duquesne foi se espalhando por vários lugares do mundo,
chegando ao Brasil através de padres jesuítas americanos que chegaram ao País
em fins da década de 60.
Mas precisamente o padre
Harold Joseph Rahm e o padre Eduardo Dougherty, na cidade de Campinas, no
estado de São Paulo onde começaram a organizar toda a atividade carismática,
que logo se desenvolveu.
Os rumos que a
Renovação Carismática tomará a partir de Campinas serão diversos, expandindo-se
rapidamente pela maioria dos Estados brasileiros. Entre algumas informações
disponíveis encontramos as de Dom Cipriano Chagas[3]
que registra:
Em 1970 e 71
iniciou-se a Renovação em
Telêmaco Borba , no Paraná, com Pe. Daniel Kiakarski, que a
conhecera nos Estados Unidos em 1969. Em 1972 e 1973 Pe. Eduardo, de novo no
Brasil, deu vários retiros e iniciou grupos de oração. Assim foi, por exemplo, em Belo Horizonte , em
1972, com um grupo pequeno de 8 ou 9 pessoas.
Em janeiro de 1973
o Pe. George Kosicki, CSB, que participava ativamente da Renovação nos Estados
Unidos, veio a Goiânia para um retiro carismático de uma semana. A ele
compareceram D. Matias Schmidt, atual bispo de Rui Barbosa, na Bahia, e vários
padres e religiosas, que iriam iniciar grupos de oração em Anápolis, Brasília,
Santarém, Jataí, etc. Nesse mesmo ano, perto de Miranda, no Mato Grosso, um
pequeno grupo começou a ler o livro Sereis Batizados no Espírito e a rezar
pedindo o dom do Espírito. Um mês mais tarde veio a eles o Pe. Clemente Krug,
redentorista, que conhecera a Renovação em Convent Station ,
New Jersey; orando com eles receberam o “batismo no Espírito” e o dom de
línguas.
Em geral, pois,
pode-se dizer que os grupos de oração surgidos em inúmeras cidades do Brasil
tiveram sua origem seja nas “Experiências de Oração no Espírito Santo” do Pe.
Haroldo Rahm, SJ, seja nos retiros dados pelos padres Eduardo Dougherty, SJ e
George Kosicki, CSB.
Em vista da
extensão que tomava a Renovação no Brasil, o Pe. Eduardo Dougherty, sentindo a
necessidade de uma melhor organização, preparou com o Pe. Haroldo Rahm e Irmã
Juliette Schuckenbrock, CSC, um encontro de fim de semana em Campinas, que foi
o I Congresso Nacional da Renovação Carismática no Brasil em meados de 1973, ao
qual compareceram cerca de 50 líderes para discernir quais os caminhos a
seguir.
Em janeiro de 1974
foi realizado o II Congresso Nacional da Renovação Carismática, comparecendo
lideres de Mato Grosso, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, São
Paulo, etc.
Em outras regiões
a Renovação Carismática começa a crescer, a partir de 1974: no Norte a diocese
de Santarém com Frei Paulo, em Anápolis, no Centro Oeste, com Frei João Batista
Vogel, no Sul de Minas, com Mons. Mauro Tommasini na Aquidiocese de Pouso
Alegre. Também colaboram como divulgadores: Pe. Schuster, Dr. Jonas e Sra.
Imaculada Petinnatti, Peter e Ingrid Orglmeister, D. Cipriano Chagas, Pe.
Alírio Pedrini, Frei Antônio, Ir. Tarsila, Maria Lamego,Ir.Stelita.
Inicialmente, a
Renovação atingiu os líderes já engajados em movimentos como cursilhos,
Encontros de Juventude, TLC, etc, e foi se ampliando gradativamente como uma
nova “onda” de evangelização com identidade própria.
Em 1972, Pe.
Haroldo escreve o livro Sereis batizados no Espírito, onde explica o que vem a
ser o “Pentecostalismo Católico”. Sendo uma das primeiras obras publicadas no
país sobre o movimento, trazia orientações para a realização dos retiros de
“Experiência de Oração no Espírito Santo”, que muito colaboraram para o
surgimento de vários grupos de oração.
Para B. Carranza[4],
o livro representou uma alavanca para a difusão da Renovação Carismática, do
mesmo modo como o foi, nos EUA, o livro A cruz e o punhal. Além disso, tendo
recebido o Imprimatur de Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, bispo de Campinas
na época, significou a legitimação da RCC.
Pe. Haroldo foi o
responsável em divulgar a Renovação para muitos dos que viriam a se tornar suas
lideranças. A adesão de Padre Jonas Abib, logo no início deu um grande impulso
para a Renovação.
[1] Renovação Carismática
Católica. A identidade da RCC, apostila 1. São José dos Campos: Fundec, s/d,
pg. 14.
[2] A autora participou do
chamado “final de semana de Duquesne”, e descreve com riqueza de detalhes esse
grande acontecimento.
[3] CHAGAS, Cipriano, OSD.
A descoberta do Espírito e suas implicações para uma transformação eclesial –
um estudo sobre a Renovação Carismática. Tese de Mestrado, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 1976, p. 46-47.
[4] Carranza, Brenda.
Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências. Aparecida:
Editora Santuário, 2000.
Um comentário:
Muito rica a explanação. Parabéns pela pesquisa e compartilhar conosco.
Postar um comentário