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quarta-feira, 24 de julho de 2019

A RCC é um dos maravilhosos frutos do Concílio Vaticano II


O estudo da religiosidade contemporânea insere-se necessariamente na discussão a respeito da modernidade e suas características fundamentais: o primado da razão e a progressiva secularização da sociedade. Diferente do que se pensava, a religião reapareceu com uma força, de tal forma, que se fala de “um retorno do sagrado”, onde o despertar religioso questiona o processo de secularização que acompanha a modernidade.
No Brasil, esse “retorno do sagrado”, resulta em grande parte, da difusão do pentecostalismo. O censo de 1991 revelou que os pentecostais representavam 65,1% do protestantismo nacional. Esse percentual tendeu a crescer nas várias pesquisas posteriores, atingindo 76% na Datafolha de setembro de 1994. O pentecostalismo multiplicou-se a uma taxa de 300% nas últimas três décadas do século passado, enquanto que o crescimento vegetativo populacional chegou a 68%. 80% dos que aderiram ao pentecostalismo eram católicos.[1] 
O pentecostalismo introduziu-se na Igreja Católica através de estudantes e professores da Universidade de Duquesne, nos Estados Unidos. Expandiu-se rapidamente na Europa e América Latina, atingindo, sobretudo indivíduos de classe média. Do ponto de vista histórico, o contexto dessa experiência é marcado por mudanças sociais importantes. Na Europa, a revolução de maio de 68, na América Latina, a insurreição de ditaduras inclusive no Brasil. Os avanços tecnológicos contrastavam com a ameaça da guerra fria. Era um tempo de incertezas e inseguranças.
O surgimento da Renovação Carismática faz parte de um mesmo fenômeno religioso sociológico, mas do ponto de vista teológico deve ser desvinculado do novo pentecostalismo protestante, que está aliado à ideia da teologia da prosperidade e de certa frouxidão nos costumes, o que se observa com frequência nos discursos por parte das midiáticas igrejas (Igreja Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, etc) e de certos posicionamentos com relação a temas como aborto, uso de preservativos, casamento de homossexuais e outros. Nesse aspecto, o discurso carismático é extremamente conservador, pois cultiva no interior dos grupos de oração o que é apregoado pela autoridade eclesiástica.
Foi em fevereiro de 1967, na universidade de Duquesne, na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos que tudo começa. A partir daí, com uma força impressionante, a experiencia  vivida em solo americano se espalha pelos cinco continentes.[2] Hoje, do oriente ao ocidente, proclama-se o evangelho vivo do Senhor Ressuscitado, com a força do Espírito Santo, através dessa nova expressão eclesial.
     Mas do ponto de vista eclesial existe um contexto que abre o caminho para essa nova expressão fazer a experiência que marca sua identidade: as cartas da Beata Elena Guerra, fundadora das Irmãs Oblatas do Espírito Santo, enviada ao Papa Leão XIII, entre os anos de 1895 e 1903, pedindo-lhe que promovesse um retorno à devoção ao Espírito Santo.[3] O mesmo Papa no início do século XX já convidava toda a Igreja a “incrementar o culto do Espírito Santo”.
 João XXIII na Encíclica que convocava o Concílio (Humanae Salutis) pedia em oração – “Renovai vossos prodígios em nossos tempos, como um novo pentecostes”. [4]
A Renovação Carismática é como dizia o São João Paulo II

um dos numerosos frutos do Concílio Vaticano II que, como um novo Pentecostes, suscitou na vida da Igreja um extraordinário florescimento de agregações e movimentos, particularmente sensíveis a ação do Espírito Santo.[5]

     A RCC entende ser “rosto e memória de Pentecostes”, como sinal da atualidade e perenidade de Pentecostes, procurando acolher para si, de modo objetivo e experiencial, aquilo que o magistério vem pondo em relevo, para toda a Igreja, com respeito à presença e a ação do Espírito Santo.
     O Pentecostes foi o Batismo no Espírito Santo para os apóstolos reunidos no cenáculo com Maria (At 2,1-4). O mesmo Batismo no Espírito Santo renovou-se em várias ocasiões entre os primeiros cristãos (At 2, 37-38; 4, 31; 8, 14-21). Foi uma experiência viva que operou uma mudança no coração dos discípulos, que sobre isto davam testemunho em suas pregações. Esta é a experiência do Espírito Santo, que a Renovação Carismática quer trazer aos cristãos de hoje.
A Renovação se configura como uma nova expressão eclesial e realiza o engajamento pastoral de seus membros à missão da Igreja que é evangelizar. E assim, torna-se uma opção de engajamento. O documento 56 da CNBB refere-se à diversas expressões eclesiais e à contribuição que cada uma delas pode dar a evangelização, “dentro de sua metodologia própria”.
O plano de ação da Renovação para o ano de 2006-2007 diz que nas ultimas reflexões do movimento sobre si mesmo afirma-se como uma expressão eclesial e deseja realizar a tarefa comum de evangelizar com sua metodologia própria, ou seja, a partir de sua identidade.[6]
A Renovação Carismática Católica é uma “expressão eclesial”, ou seja, uma maneira de ser Igreja, na medida em que permanece na comunhão “com o corpo” pela participação do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, comunicado pelos “Sacramentos da iniciação cristã”. Portanto, a RCC vê-se também como uma opção de engajamento, de tal forma que, participando de suas atividades, assumindo seus compromissos e tarefas, o fiel realiza sua pertença a Igreja e da sua contribuição com generosidade e alegria a esse mutirão evangelizador proposto pela Igreja. O Subsídio Doutrinal da CNBB n. 3 corrobora essa reflexão do movimento: “Por livre iniciativa, os fiéis leigos devem procurar não só a própria santificação e a vivência de sua vocação batismal, mas também a ajuda mútua nessa tarefa, unindo-se em comunidades, associações e movimentos, que colaborem para a sua formação e participação na missão apostólica da Igreja”.[7].
Nessa mesma linha o Pe. Salvador Carrillo afirma:

A renovação, como realidade comunitária, tem recebido do Espírito Santo dons espirituais que a caracterizam e quer, com eles, levar uma valiosa contribuição a renovação pastoral; além disso, cada pessoa tem seus próprios carismas segundo a graça que lhe foi dada (Rm 12, 6; I Cor 7, 7). Portanto, a Renovação, cumpre plenamente sua missão, quando na pastoral de conjunto, põe a serviço do bem comum os dons recebidos e contribui para a edificação do corpo místico de Cristo, na Igreja Diocesana e/ou Paroquial. [8]

A Renovação evangeliza a partir do Batismo no Espírito Santo, que é uma experiência no contexto do movimento de caráter vivencial e não sacramental, atualizando em sua pratica a experiência dos Apóstolos no cenáculo de Jerusalém (At, 2,1-4). Pra isso, realiza seminários, experiências de oração, retiros, ensino e aprofundamento. Por meio dos dons espirituais que a caracterizam tem assumido sua identidade própria no contexto eclesial colaborando com a proposta pastoral e evangelizadora da Igreja.
A expressão Batismo no Espírito Santo na RCC tem dupla significação. A primeira é propriamente teológica ou sacramental. A segunda é de ordem vivencial e remete ao momento na qual a presença operante do Espírito Santo tornou-se sensível na consciência pessoal. Na Sagrada Escritura encontramos vários textos que se referem a essa ação do Espírito Santo de batizar, “Eu vos batizo com água, mas aquele que é mais forte do que eu...Ele vós batizará com o Espírito Santo e com o fogo” (Mt 3,11; Lc 3,16). Marcos e, sobretudo João evocam a promessa da efusão messiânica do Espírito Santo predita pelos profetas do Primeiro Testamento (Is 32,15ss; 42,1; 44,3ss; Jl 2,28; Ez 32,26; 39,29). Jesus inicia o seu ministério em Lc, proclamando na sinagoga em Nazaré a profecia de Isaias que começa dizendo “O Espírito do Senhor está sobre mim”, afirmando que nele se cumpre essa profecia (4,18-19). O próprio Lc em sua outra obra associa o êxito da missão dos discípulos à ação do Espírito Santo: “Mas descerá sobre vós o Espírito Santo e vós dará força, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8).
Dois textos principais falam da efusão do Espírito Santo: o evento no dia de Pentecostes (At 2,1-4) e o episódio na casa de Cornélio (At 10,44ss). Em ambos os casos o evento é apresentado como cumprimento da promessa feita pelo próprio Jesus (At 1,33). Nesses dois textos mais do que o caráter sacramental aparece o vivencial operando uma consciência da atuação permanente do Espírito Santo na comunidade que passa a ser animada por dons carismáticos (1 Cor 12), que são colocados à disposição pelo mesmo Espírito que realiza o querer e o agir (Fl 2,13). Desse modo, o sentido aplicado pela Renovação ao termo batismo no Espírito Santo está fundamentado na própria Escritura que reconhece esse aspecto vivencial empregado pelo movimento.
A Experiência narrada no livro dos Atos dos Apóstolos é constantemente evocada pela RCC, de modo, que ela afirma ser “rosto e memória de Pentecostes”.
Conta-nos Patty Gallagher Mansfield, no seu livro, que um dos dois professores conselheiros da CHI RHO, escreveu uma carta para os seus amigos, contando o acontecido, que se transformou em um testemunho do que ocorre na experiência do movimento:

... eis que nos encontramos num plano de vida cristã que todos os compêndios dizem ser normal, mas que todas as práticas e expectativas podem negar. Nossa fé revivesceu, nossa crença transformou-se como que num saber. Repentinamente, o mundo do sobrenatural tornou-se mais real que o natural. Para resumir: Jesus Cristo é para nós uma pessoa real, uma verdadeira pessoa viva que é o nosso Senhor e que atua em nossas vidas.
A oração e os sacramentos vieram a ser verdadeiramente o nosso pão de cada dia, no lugar de práticas que eram somente reconhecidas como ‘boas para nós’. Um amor as Escrituras, um amor a Igreja que eu nunca julguei ser possível, uma transformação dos nossos relacionamentos com os outros, uma necessidade e um poder de dar testemunho além de qualquer expectativa, tudo isso veio a torna-se parte de nossas vidas. A experiência inicial do ‘batismo no Espírito Santo’[9] não foi em nenhuma hipótese emocional, mas a vida recebeu um influxo que nela se esparramou, e a fez repleta de calma, auto-segurança, alegria e paz... Um dos mais surpreendentes resultados disto foi o fim de semana, que fizemos para cerca de vinte e cinco estudantes. Nada mais que um retiro comum, do tipo apresentação/discussão. Mas nós fizemos uma coisa diferente – nós focalizamos a matéria no tema dos Atos dos Apóstolos 1-4 e aguardamos a chegada do Espírito Santo. Antes de cada palestra nós cantamos ‘Veni, Creator Spiritus’, para valer. Não fomos desapontados. O que aconteceu em Atos capítulo doisaconteceu também conosco. Devo dizer, inicialmente, que os participantes eram estudantes, os quais três meses antes, tinham suas dúvidas até mesmo sobre a existência de Deus, não queriam ouvir falar em oração, etc. eles já produziram o seu efeito sobre o campus...[10].



[1] Cf. SOUSA, Ronaldo José de. Carisma e instituição: relações de poder na Renovação Carismática Católica do Brasil, Aparecida, SP: Santuário, 2005, p. 7.
[2] A Renovação Carismática Católica está presente em cerca de 200 países e já tocou as vidas de aproximadamente 120 milhões de católicos. Nos últimos anos, parece que o número de participantes diminuiu em alguns países, mas, em outros, o número continua a crescer a uma taxa impressionante. Dados do site do Serviço Mundial da Renovação Carismática: http://www.iccrs.org/pt/sobre-nos/a-rcc/

[3] Elena Guerra nasceu em Lucca (Itália), no dia 23 de Junho de 1835. Viveu e cresceu em um clima familiar profundamente religioso. Durante uma longa enfermidade, se dedica à meditação da Palavra de Deus e ao estudo dos Padres da Igreja, o que determina seu apostolado; primeiro na Associação das Amigas Espirituais, idealizada por ela mesma para promover entre as jovens a amizade em seu sentido cristão, e depois nas Filhas de Maria. Em Abril de 1870, Elena participa de uma peregrinação pascal em Roma juntamente com seu pai, Antônio. Entre outros momentos marcantes, a visita às Catacumbas dos Mártires confirmam nela o desejo pela vida consagrada. Em 24 de Abril, assiste na Basílica de São Pedro a terceira sessão conciliar do Vaticano I, na qual vinha aprovada a Constituição “Dei Filius” sobre a Fé. A visita ao Papa Pio IX a comove de tal maneira que depois de algumas semanas, já em Lucca, no dia 23 de Junho, faz a oferta de toda a sua vida pelo Papa.
Em 1886, Elena sente o primeiro apelo interior a trabalhar de alguma forma para divulgar a Devoção ao Espírito Santo na Igreja. Para isto, escreve secretamente muitas vezes ao Papa Leão XIII, exortando-o a convidar “os cristãos modernos” a redescobrirem a vida segundo o Espírito; e o Papa, amavelmente solicitado pela mística Luquese, dirige à toda Igreja alguns documentos, que são como uma introdução a vida segundo o Espírito e que podem ser considerados também como o início do “retorno ao Espírito Santo” dos tempos atuais: A breve “Provida Matris Charitate” de 1895; a Encíclica “Divinum Illud Munus” em 1897 e a carta aos bispos “Ad fovendum in christiano populo”, de 1902.
[4] Cf. Plano de ação 2006-2007. Renovação Carismática Católica.
[5] Ibid. p. 4.
[6] Ibid., pg 5.
[7] Igreja particular, movimentos eclesiais e novas comunidades. Subsídios Doutrinais da CNBB, 3, n. 18.
[8] ALDAY, Salvador Carrillo Renovação no Espírito Santo – Louva a Deus: Editora, p. 13.


[10] MANSFIELD, Patti Gallagher. Como um novo pentecostes: relato histórico e testemunhal do dramático inicio da Renovação Carismática Católica. Trad. br. Sérgio Luis Rocha Vellozo, Rio de Janeiro: Louva-a-Deus, 1993, pg. 30.

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