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domingo, 26 de abril de 2020

A casa de Emaús




"Nesse mesmo dia, dois discípulos caminhavam para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios.

Que cidade é essa chamada Emaús? Não existe um consenso quanto a isso. Bento XVI fez uma interpretação importante: “existem várias hipóteses, e isto é sugestivo, porque nos deixa pensar que Emaús representa na realidade todos os lugares: o caminho que nos conduz é o caminho de todos os cristãos, aliás, de todos os homens”. (Angelus, 6 de abril de 2008). Por isso, posso dizer que Emaús representa as nossas casas e nessas nossas idas e vindas  de cada dia, devemos esperar pelo nosso companheiro de viagem, Jesus o Senhor.
Eles se distanciavam de Jerusalém, o que no plano teológico de Lucas significava dizer que eles se afastavam da salvação. Por isso mesmo depois que os dois discípulos reconhecem Jesus, eles voltam para Jerusalém. Não podemos nos afastar de nossa casa, pois é a partir de lá que o Senhor quer manifestar a salvação ao mundo.
Iam falando um com o outro de tudo o que se tinha passado. Enquanto iam conversando e discorrendo entre si, o mesmo Jesus aproximou-se deles e caminhava com eles. Mas os olhos estavam-lhes como que vendados e não o reconheceram. Perguntou-lhes, então: De que estais falando pelo caminho, e por que estais tristes?
O Mestre se aproxima dos discípulos. Ele se preocupa com a vida deles, “O que estão discutindo pelo caminho?”. O Cristo ressuscitado quer caminhar ao nosso lado, quer transformar nossa tristeza em alegria. O que os discípulos testemunharam em Jerusalém os marcou profundamente. Eles discutiam e se lamentavam por causa do que havia ocorrido em Jerusalém. Por isso eles caminhavam com o “rosto sombrio”. Os dolorosos acontecimentos os adoeceram e o Mestre vendo isso, veio ao encontro deles para curá-los, pois sua alma estava abatida. Sem esse encontro eles continuariam a se afastar do caminho que transforma, da verdade que liberta e da vida que renova.
A nossa sociedade tem sido uma fonte de adoecimento por causa da forma que vivemos. As cidades hoje têm inchado devido o fenômeno do êxodo rural o que fez crescer os centros urbanos que tem o seu ritmo próprio quase sempre frenético. Por todos os lados vemos pessoas esgotadas por causa do trabalho exaustivo, deslocamento, precariedade dos serviços essenciais, preocupações, satisfação de prazeres de forma desordenada, status, regime competitivo, etc. Tudo isso impõe uma grave necessidade de cura.
É o sacrifício de Cristo que derrama sobre nós o remédio capaz de nos curar de todas as doenças, “fomos curados graças as suas chagas” (Is 53,5). Devemos nos aproximar daquele que é o “médico dos médicos” para que nossa saúde seja restabelecida.
Um deles, chamado Cléofas, respondeu-lhe: És tu acaso o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que nela aconteceu estes dias? Perguntou-lhes ele: Que foi? Disseram: A respeito de Jesus de Nazaré... Era um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo. Os nossos sumos sacerdotes e os nossos magistrados o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Nós esperávamos que fosse ele quem havia de restaurar Israel e agora, além de tudo isto, é hoje o terceiro dia que essas coisas sucederam. É verdade que algumas mulheres dentre nós nos alarmaram. Elas foram ao sepulcro, antes do nascer do sol; e não tendo achado o seu corpo, voltaram, dizendo que tiveram uma visão de anjos, os quais asseguravam que está vivo. Alguns dos nossos foram ao sepulcro e acharam assim como as mulheres tinham dito, mas a ele mesmo não viram.
O que tem acontecido em nossos dias? Vemos um mundo em constante transformação que tem atingido as categorias mais profundas de compreensão da vida criando novas lógicas. Assistimos um mundo marcado pela comunicação global que rompeu fronteiras abrindo a possibilidade de novos conhecimentos e expondo certa superficialidade nas relações. Supervalorizamos nossas emoções, sonhos e projetos pessoais criando dificuldades de perceber que fazemos parte de uma teia que nos liga uns aos outros. Queremos soluções em curto prazo o que impede a muitos de planejar o futuro. A violência tem se institucionalizado, e o poder paralelo das facções e do narcotráfico tem imposto o terror. Nessa breve analise de conjuntura não podemos deixar de mencionar que estamos envoltos em uma sociedade erotizada que mudou as relações entre homens e mulheres.
Em meio a tudo o que foi dito, tenho que anunciar uma grande tragédia: estamos cegos! Não enxergamos mais a Deus devido às muitas luzes que se acenderam em todos os lugares. Luzes de paixões, de individualismo, de prazeres e divertimentos, de tecnologias, de poder e riqueza. Por vezes não são as luzes e sim a escuridão que tem cegado a muitos por causa das tragédias, corrupção, das múltiplas formas de violência, da desilusão e do desespero, falta das condições básicas para se viver. Isso tem nos impedido de vê que o Mestre continua caminhando ao nosso lado, que ele é a verdadeira luz que dissipa toda a escuridão. Nossos olhos precisam se abrir!
Jesus lhes disse: Ó gente sem inteligência! Como sois tardos de coração para crerdes em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória? E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava dito em todas as Escrituras. Aproximaram-se da aldeia para onde iam e ele fez como se quisesse passar adiante. Mas eles forçaram-no a parar: Fica conosco, já é tarde e já declina o dia. Entrou então com eles. Aconteceu que, estando sentado conjuntamente à mesa, ele tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e serviu-lho. Então se lhes abriram os olhos e o reconheceram...mas ele desapareceu. Diziam então um para o outro: Não se nos abrasava o coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?
O dom sagrado da hospitalidade forçou Jesus a entrar. Eles se aproximam da mesa. Todos os dias nos aproximamos da mesa pra fazer uma refeição. Temos fome e por isso buscamos nosso pão de cada dia. O nosso corpo tem necessidade de alimento que o sustente. Você já pensou que a sua alma também precisa de alimento e que se ela não “comer”, vai enfraquecer até morrer? Às vezes não nos damos conta da necessidade do “alimento que vem do alto”, que sacia a nossa fome de eternidade. Tornar a nossa vida capaz das lutas diárias depende do bom alimento que recebemos.
            Chega uma hora do dia em que o nosso corpo diz: “estou com fome” e o que você faz? O alimenta se não ele vai continuar lhe “aperiando” até você saciar sua vontade. Você já pensou em tantas famílias que ao chegar essa hora nada tem pra comer? Isso é algo que não gostamos nem de pensar, mas que infelizmente é uma triste realidade. Aquilo que é básico escapa das nossas mãos e a fome se torna a penosa companheira. Acredito que exista também uma multidão incontável de pessoas que estão com fome de Deus, fracas, debilitadas e agonizantes e que não conseguem sequer sair do seu lugar, por ser tão grande o vazio de suas almas.
            Em outra ocasião Jesus diz: “Eu sou o pão da vida...”. Muitos que o acompanhavam para ouvi-lo tinham a sua provisão na bolsa, portanto, não estavam ali porque precisavam do pão amassado da terra, mas sim do pão da Palavra, porque recordavam o que dizia o autor sagrado na Torá: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”.
            Os discípulos de Emaús confessam estupefatos que o seu coração ardia quando o Senhor lhes explicava as Escrituras. O nosso lar precisa se transformar em “casa da Palavra”, lugar onde o alimento das Sagradas Escrituras nos nutre, revigora e anima. Esse é um verdadeiro banquete que  somos convidados a saborear, para depois de saciados, testemunhar sua força.
            Os pais têm como grande preocupação de dar aos seus filhos o pão de cada dia. Com isso eles podem crescer fortes, enfrentar com mais vigor as muitas lutas da vida. Mas a partir da vocação cristã a que foram chamados, os pais não podem deixar de dar aos filhos a Palavra de Deus como alimento que sustentará toda a casa ao longo da sua jornada. Os pais devem ter presente a Palavra que afirma que toda “Escritura é útil para instruir, para refutar, corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem se torne perfeito, qualificado para toda boa obra” (2 Tim 3,16-17).
Hoje vemos o esforço de muitos pais para educar seus filhos na fé que receberam e isso causa um grave conflito no mundo em que vivemos, um verdadeiro choque de “mentalidades”. 
Brevemente quero apontar para a importância de os pais assumirem radicalmente a educação dos filhos. Essa é sua primeira tarefa. Eles não podem terceirizar aquilo que é sua “obrigação”. Muitos colaboram com a missão de educar (escola, igreja, amigos...), mas qualquer um que queira educar sem a participação dos pais corre um grande risco de fracassar. 
            A educação é um caminho de conhecimento. Quem educa tem por objetivo ser um “pedagogo”, ou seja, alguém que conduza o outro ao conhecimento da verdade. Em um lar onde reina o amor, a paz e o perdão a criança vai reconhecendo a cada dia aquilo que torna a vida mais humana. Isso pode parecer obvio, mas a educação é uma questão cultural. Uma criança pode crescer crendo que “negros” são inferiores aos “brancos”, só por causa da cor da sua pele. Ou que todo índio é “preguiçoso”. Ela pode alimentar em si mesma o ódio, a indiferença, exclusão ou preconceitos. Essa tem sido uma forma de “educar”, em alguns contextos sociais. Por isso mesmo, não podemos deixar de educar na fé tendo como exemplo o jovem Jesus “que crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). Assim, os filhos poderão assumir os critérios da Palavra para fazer suas escolhas.
            Emaús é nossa casa, portanto, devemos insistir com o Senhor “fica conosco”. Existem três mesas que não podemos deixar de sentar para comer: a mesa da Eucaristia, a mesa da Palavra e a mesa da nossa casa.
            Na mesa da Eucaristia devemos aprender a partir e repartir, a se doar, a fazer a oferta do tempo, entrando no ritmo “kairológico”. Na mesa da Palavra devemos aprender a ouvir, conversar, meditar. Ler a vida nas linhas e entrelinhas da experiência testemunhada na Sagrada Escritura, deixar o coração se abrasar, pegar fogo para incendiar a todos com o amor divino. Na mesa da nossa casa devemos comer com gratidão, afinal, o alimento recebido é fruto da terra e do trabalho do homem e da mulher. Precisamos sorrir, servir, ouvir, dividir. Existem pais e filhos famintos, esposas e esposas famintas, por isso, comam, se deleitem, se regozijem! Em cada mesa, é  o Senhor mesmo que nos espera. 

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