Quem
lê o relato da criação não pode deixar de ouvir a sonora repetição, “e Deus viu
que era bom”. A cada dia, uma nova sinfonia pode ser ouvida através de cada obra
criada, com um desenvolvimento harmonioso que encanta todos os expectadores. Ao
ser humano, o Criador diz: “cuidem”. E então ele descansa. Poderia Deus ter
dito, “está consumado”. Mas não.
O
som traz agora uma melodia dramática. Enganados pelo Diabo, simbolizado na cena
pela serpente, nossos primeiros pais fizeram o que havia sido proibido.
Descuidaram da ordem dada. Dor, medo, vergonha, humilhação...não é assim que
ficamos quando caímos em si e percebemos o mal que fizemos a nós e aos outros? Dessa vez bem que o Diabo poderia ter dito, “está consumado”. Ora, Deus deveria
ser justo e abandonar o ser humano a própria sorte, imaginou. Mas não. A
justiça de Deus se dá através do cuidado da obra mais bela da criação, a quem
ele mesmo quis coroar de “glória e beleza” (Cf. Sl 8).
No
desfecho dramático da cena, vem um clarão de esperança, “porei hostilidade
entre ti e a mulher, entre a tua linhagem a a linhagem dela. Ela te esmagará a
cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). Vemos aí que a hostilidade irá
marcar nossa história, o inimigo não descansará até conseguir destruir toda a
criação. Mas Deus também não. Enquanto o Diabo trabalha para destruir, Deus
trabalha para salvar.
Para realizar seu projeto
de salvação Deus foi se valendo de homens e mulheres que seguiram seus passos.
Ele foi se dando a conhecer, revelando seu nome, dando sinais da sua presença. Exigiu
do povo que se organizou em torno de sua lei, que o tivessem como único Deus. Escreveu
isso com letras bem grande, gravou na pedra, pediu que eles a fixassem nos
umbrais da casa, nas portas e até na própria roupa. Eles não deveriam esquecer que
eram o seu povo. Mas eles esqueceram muitas vezes. E Deus? jamais esqueceu
daqueles que ele mesmo escolheu.
Em seus hinos de louvor
os salmistas cantavam a “misericórdia de Deus” (Sl 136) e proclamavam os
grandes feitos do Senhor. Eles se acostumaram a contar as suas histórias porque
elas recordavam aquele que deu o pontapé inicial. Sim, foi Deus que quis
começar essa história. La no começo com Abraão, “ilustre pai de uma multidão”, com
Moisés que conversava com Deus “face a face”, passando por tantos outros pais,
profetas, sacerdotes e sábios. Essas eram histórias marcadas por façanhas, heróis,
lendas, sagas, leis, tragédias, vitórias, derrotas, canções. Eram histórias de
amor.
Deus nunca abandonou o
homem à própria sorte e, em sua infinita misericórdia, quis sempre salvá-lo. Em
todo o fio que se desenrola pela Sagrada Escritura, vemos um Deus sempre ali,
caminhando junto, apontando caminhos, perdoando. A aliança que Deus faz com o
homem de Adão a Noé, de Abraão a Davi, de Amós a João Batista se realizou de
modo definitivo no mistério pascal de Cristo Jesus, Nosso Senhor, que é o dom
do Pai que, gratuitamente, oferta-se por nossa Salvação.
Não podemos esquecer que a nossa história é assinalada
com uma mancha que chamamos de pecado. A convicção que temos é que somos
pecadores, ofendemos a Deus, por isso, ficamos “devendo”. Erros, faltas e falhas são
cometidos diariamente. Não podemos dizer que “não temos pecados”, pois
estaríamos mentindo (1Jo 1,8). Por isso, Jesus veio chamar os “pecadores” (Mt
9,13) e o eixo principal de toda a sua ação é o perdão dos pecados, a remissão
das faltas. É do alto da cruz que nosso sumo sacerdote brada: “Pai,
está tudo consumado”. Aquilo que o homem não podia fazer por si mesmo, Deus o
fez, o amor foi consumado, e o perdão nos foi dado. Somos amados por Deus e
essa é a novidade que Nosso Senhor veio revelar. Recusamos, relutamos,
abandonamos ou até negamos, mas é o amor que sempre vence. O Diabo tenta
enganar os filhos e filhas de Deus, pondo nos seus ombros culpas, remorsos,
condenações, fazendo-nos crer que o perdão de Deus tem limites. Se o homem se
arrepende, Deus está pronto para perdoar. Não importa o que se fez, o
arrependimento apaga tudo e garante acesso à festa dos redimidos.
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