Onde é que tu, Amado,
Te escondeste
deixando-me em gemido?
Fugiste-me como o
veado,
Havendo-me ferido;
Clamando eu fui por ti,
tinhas partido!
Essa
expressão “amado” é facilmente encontrada no Cântico dos Cânticos, livro
que inspira São João da Cruz na composição do seu Cântico Espiritual.
Esse desconcerto por não saber para onde
foi o Amado é sentido pela amada nessa obra sapiencial: “Abri ao meu
bem-amado, mas ela já se tinha ido, já tinha desaparecido”.
Essa dor
de não ter o Amado, de tê-lo perdido cresce por causa do amor esponsal. Se não fosse
por amor sofreria a amada a ausência do
amado¿ Podemos dizer lendo essa primeira parte do poema que existe uma ferida
de amor aberta. A amada foi tocada pelo Amado de uma forma que sua ausência
passa a ser sentida. A partir daí começa uma busca para encontra-lo.
O
poema fala do amor esponsal de Deus. Em seu infinito amor, Deus vem ao nosso
encontro, estabelece um matrimônio espiritual. Somos seduzidos por seus
encantos que criam em nós um desejo cada vez maior de estar com Ele. Não
queremos mais nos apartar dele, sua companhia cria uma alegria contagiante.
Mas, porque então o amado se esconde?
Alguém poderia ser levado a crer que, se o Amado foi
embora é porque nos tornamos indignos, que perdemos o merecimento de sua
companhia amorosa. E esse é um grande engano! O amor de Deus por nós é
eterno, sua aliança não se desfaz. Se ele se esconde, devemos procura-lo.
Sua falta deve criar em nós uma disposição para ir ao seu
encontro. Onde podemos encontrar novamente o Amado¿ Dentro de nós! Essa busca
não deve nos levar para longe. Ele está perto. Essa é uma busca que deve
começar no lugar secreto do nosso interior. Santo Agostinho de forma poética
revela que procurou a Deus fora, enquanto ele estava dentro: “Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão
nova! Tarde demais, eu te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora, fora te
buscava”.
Essa busca faz crescer uma necessidade permanente de correr
na direção de quem nos conquistou. Isso exige descobrir o caminho que nos leva
ao encontro com o Amado. Podemos dizer que existem “caminhos”, como nos conta
Santo Hilário: “há caminhos
na Lei, caminhos nos profetas, caminhos nos evangelhos e nos apóstolos,
caminhos nas diversas obras dos mestres. Felizes os que andam por eles, movidos
pelo temor do Senhor”. Esses “caminhos”
nos levam ao mesmo lugar onde me enamoro daquele que me deixa louco de amor.
“Clamando eu fui por ti”. Clamar, gritar, bradar... todos
esses verbos são sinônimos e expressam a mesma coisa no poema: não posso viver longe
do Amado! Por isso devemos guardar um “tempo privilegiado” para a
oração, que é esse diálogo de amor que cresce, à medida que ficamos a “sós”. Jesus
chama cada um de nós “a entrar no quarto, fechar a porta e orar ao Pai em
segredo” (Cf. Mt 6,6). Jesus privilegiava os momentos a sós para orar como os
evangelistas testemunham: "Mas ele
costumava retirar-se a lugares solitários para orar" (Lc 5,16); "Naqueles
dias, Jesus retirou-se a uma montanha para rezar, e passou aí toda a noite
orando a Deus" (6,12); "Um dia, num certo lugar, estava Jesus a
rezar" (11,1). Assim diz o Catecismo, “Não é,
porventura, ao contemplar primeiro o seu Mestre em oração, que o discípulo de
Cristo sente o desejo de orar? Pode então aprendê-la com o mestre da
oração. É contemplando e escutando o Filho que os filhos aprendem a
orar ao Pai”. (CIC 2601).
“Do fundo do abismo, clamo a vós Senhor” (Sl
130,1). Clamo por amo, amo porque fui amado!
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