Pisando o chão das comunidades de Lucas
A
nota que caracteriza as comunidades cristãs de Lucas são a nível externo as
perseguições e a nível interno o enfraquecimento do fervor e entusiasmo da fé
cristã. Isso aparece em Lc 21,12: "hão de vos prender, de vos perseguir,
de vos entregar às sinagogas e às prisões [...]".
O texto retrata situações históricas de
conflitos e perseguições pelo poder político no tempo do imperador Tito (79-81)
e Domiciano (81- 96). A comunidade é sofrida e nela se encontram pessoas
indefesas: os pobres, os humildes, as mulheres, os pastores. Os pobres do
evangelho de Lucas são uma designação global que inclui os cegos, os doentes,
os coxos e aleijados, as viúvas, os aflitos, os excluídos, isto é, os
samaritanos, os leprosos, todos chamados a ocupar os primeiros lugares no
reino. Eles acolheram a Boa Nova para fugir da marginalização social, mas não
encontraram a paz e o bem estar que desejavam. Jesus veio proclamar um ano da
graça do Senhor (Lc 4,19), esperado por todos. O contraste entre pobres e ricos
muito claro em Lc 6,20-26, reflete o conflito entre os cristãos e os
"senhores", os fortes e bem sucedidos da época. A mesma situação
aparece em Lc 16,19-21 onde uma minoria de ricos esbanja seus bens e uma
maioria de pobres vive de esmolas. Esta situação social é bem retratada pelo
autor também no canto de Maria (cf. Lc 1,51-53), na triste história de um rico
fazendeiro (cf. Lc 12,16- 20), na conversão de Zaqueu (cf. Lc 19,1-9), na
pregação de João Batista (cf. Lc 3,10- 14) e na maneira de apresentar os
banquetes (cf. Lc 14,15-24) (cf. MOSCONI, 1991, p.31).
Os
obstáculos das perseguições dos cristãos deveriam ser muito graves a ponto de
causar desânimo e apostasia da fé (cf. Lc 12,4-12). Não faltam também a pressão
dos fariseus convertidos à fé cristã (cf. At 15,5) que tentam colocar sua mentalidade
conservadora sobre os convertidos do paganismo e do judaísmo. Tanto o espírito
farisaico como o espírito de poder que perturba a comunidade são reprovados
duramente (cf. Lc 11,37-54). A comunidade ideal apresentada nos Atos (cf. At
2,42-47; 4,32-34) é uma realidade ainda distante à ser alcançada.
As lideranças são cegas e incompetentes (cf.
Lc 6,39), preocupadas apenas com pequenas falhas dos irmãos. A parábola das
duas árvores (cf. Lc 6,43), dos dois tesouros que tomam posse do coração (cf.
Lc 6,45), das duas casas, retrata as diferentes situações comunitárias. A busca
dos primeiros lugares (cf. Lc 22,24-30); a falta de disposição de acolher a
palavra de Deus pregada (cf. Lc 8,8- 15), o perigo das riquezas, da ganância
(cf. Lc 12,33-34) que gera desigualdades sociais como já nos referimos, é uma
realidade retratada pelo evangelho na história do rico e do pobre Lázaro (cf.
Lc 16,19-31) e na história do jovem rico (cf. Lc 18,18-30).
Constata-se,
inclusive, que Lucas fala muito em multidões e povo como vamos vê. Essas
multidões eram um povo doente (cf. Lc 5,15; 6,18-19), marginalizado e pecador
(5,29-30), sedento de justiça e de um mundo novo (cf. 6,17-18; 9,11). Lucas
fala muito em pão, comida, banquete, fome (cf. Lc 4,25; 6,21; 6,25; 14,1;
14,12-15; 15,14; 15,17; 15,23; 16,19-21; 21,11) o que revela que ele estava
preocupado com a fome do povo, porque havia acumulação (cf. 12,16-19),
exploração e roubo (cf. 19,1-8).
Ao dar grande atenção à mulheres (cf. 7,11-17;
7,36-50; 8,1-3; 8,43-56; 10,38-42), o autor revela que na situação da
comunidade devia haver desprezo e marginalização da mulher e ao mesmo tempo
devia haver mulheres marcando significativa presença nas comunidades (cf.
MOSCONI, 1991, p.31-32). A comunidade dos cristãos é um pequeno rebanho (cf. Lc
12,32), um convite de amigos, de iguais (cf. Lc 14,1-14), também de pecadores
que desejam a conversão (cf. Lc 5,31; 7,34). As parábolas da misericórdia valem
não tanto para os estrangeiros, quanto para os próprios irmãos na fé (cf. Lc
15,1-32). Na comunidade acontecem escândalos (cf. Lc 17,1-3), arrogâncias (cf.
Lc 17,7-10), ingratidões (cf. Lc 17,11-19), mas a comunidade é sempre lugar de
acolhida de irmãos, de amigos, de santos (cf. SPINETOLI, 1986, p.34-37).
Para conhecer a mensagem e os possíveis destinatários do evangelho
de Lucas, vamos apresentar algumas palavras-chave desse livro.
Cidade – é
usada cerca de trinta e nove vezes no evangelho de Lucas, em Mateus, vinte e
seis vezes, e em Marcos, nove.
Pobres – desde
o início, no cântico de Maria, ouvimos: “Depôs poderosos de seus tronos, e a
humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias”
(Lc 1,52-53).
“O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para
evangelizar os pobres” (Lc 4,18).
“Ide
contar a João o que vedes e ouvis: os cegos recuperam a vista, os coxos andam,
os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos
pobres é anunciado o Evangelho” (Lc 7,22; cf. 6,20).
De
maneira dura, Jesus critica a avareza dos ricos, o acúmulo e a falta de
compaixão e solidariedade com os pobres (Lc 12,16-21; 16,19-31).
Multidão/multidões
- Lc 8,42; cf. 5,1.3.15; 8,19.45; 11,29; 12,1; 14,25.
Em
Lucas, o discurso das bem-aventuranças foi proclamado diante de uma imensa
multidão (Lc 6,17-19).
A
multidão testemunha os gestos de Jesus ao curar o servo de um centurião, ao
ressuscitar o filho único da viúva de Naim, ao libertar as pessoas de espíritos
impuros (Lc 7,9.11-12; 11,14).
Jesus
é solidário com a multidão faminta no deserto (Lc 9,12.16). A multidão se
alegra com as maravilhas realizadas por Jesus (Lc 13,17).
Oração –
palavra que é usada cerca de setenta vezes no evangelho de Lucas! É o evangelho
que mais apresenta Jesus rezando e convida a comunidade a rezar. Só Lucas
coloca Jesus rezando no batismo (Lc 3,21), após o milagre (Lc 5,16), antes da
escolha dos Doze (Lc 6,12) e da confissão de Pedro (Lc 9,18), no momento da
transfiguração (Lc 9,28-29) e no Getsêmani (Lc 22,46). Esse evangelho insiste
na necessidade de ser perseverante na oração (Lc 11,5-8; 18,1), especialmente
nos momentos de dificuldades (Lc 22,40.46).
A salvação “hoje”
- “Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o
Cristo-Senhor” (Lc 2,11).
(4,21;
5,26; 13,33; 19,5.9.43; 23,43).
Em
Cristo, Deus nos oferece a salvação no tempo presente: “Hoje se cumpriu aos
vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lc 4,21).
Na
casa de Zaqueu, Jesus afirma: “Hoje a salvação entrou nesta casa” (Lc
19,9).
Conversão – “não
vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento” (Lc 5,32).
Misericórdia –
Lc 15: as três parábolas da misericórdia.
Fonte:
fajopa.com/contemplacao/index.php/contemplacao/article/download/39/39
vocacionalbarnabita.blogspot.com/2015/02/os-evangelhos-nada-afirmam.html
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