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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Ideais são perigosos


Os ideais fazem amigos, aproximam pessoas, criam vínculos.

Os ideais afastam, criam barreiras, separam pessoas.

Os ideais criam heróis, homens valorosos e audazes.

Os ideais ferem, oprimem e ofendem.

Os ideais transformam amigos em inimigos e inimigos em amigos.

Em nome dos ideais trabalho.

Em nome dos ideais amo ou odeio, aborreço e favoreço.

Em nome dos ideais luto, discuto, vivo ou morro.

Os ideais dão sentido a luta, como podemos viver sem eles? Como podemos morrer sem eles?

Os cristãos tem ideais. Nós temos ideais. Nossos ideais passam por esse "vale de lágrimas", transformando tristeza em alegria, ofensa em perdão, ódio em amor. Faz o fraco forte, o pobre rico, o pecador merecedor de salvação.

Os cristãos tem ideais. Nós temos ideais. Nossos ideais passam pela terra da cruz, onde jorra misericórdia, justiça e pão. Nessa terra somos irmãos. Nossos ideais nos ensinam o aprender com os erros, a mudar a direção sempre que preciso sem jamais deixar a fé sair do coração.

Os cristãos tem ideais, nos temos ideais. Nossos ideias passam pela mesa onde aprendo que devo partir e repartir, dividir e servir. Aprendo a amar como Ele amou, na certeza de que a vida é mais forte que a morte.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Oh sangue e água

Deus em seu infinito amor nos salvou na cruz, na imolação do cordeiro sem mancha. Uma vida em troca de muitas, um resgate para favorecer todos os que estavam presos nos laços do pecado. Um laço foi rompido e outro foi dado. Estamos ligados ao nó da misericórdia que excede toda compreensão humana. Por isso que São Paulo responde a pergunta que ele mesmo fez dizendo a  comunidade que nada pode nos separar do amor de Cristo “tenho certeza de que nem a morte, nem a vida, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potências, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer seja capaz de nos separar do amor de Deus, que está no Cristo Jesus Nosso Senhor” (Cf. Rm 8,38).

O coração aberto pela lança do soldado fez jorrar o remédio para curar as feridas da humanidade. Ferida de dor e amor, ferida que não cicatriza. Peito que continua aberto, sangue que continua escorrendo, salvação que mana como um torrente sem fim para curar a humanidade.

Do peito transpassado de Jesus nasceram muitas devoções que perpetuam essa bela cena. Deus quer nos recordar continuamente o seu amor, por isso, inspirou para os nosso tempos formas de piedade popular que fazem ecoar esse mistério.

No 1º domingo de Páscoa celebramos a festa da Divina Misericórdia. São João Paulo II em sua Exortação Dives in Misericordia diz que a misericórdia é um dos principais temas da pregação de Jesus: “como de costume, também neste ponto ensina antes de mais «em parábolas», porque exprimem melhor a própria essência das coisas. Basta recordar a parábola do filho pródigo, ou a parábola do bom samaritano, ou ainda, por contraste, a do servo sem compaixão. Numerosas são ainda as passagens do ensinamento de Cristo que manifestam o amor e misericórdia sob um aspecto sempre novo. Basta ter diante dos olhos o bom pastor que vai à busca da ovelha tresmalhada, ou a mulher que varre a casa à procura da dracma perdida. O Evangelista que trata de modo particular estes temas do ensino de Cristo é S. Lucas, cujo Evangelho mereceu ser chamado ‘o Evangelho da misericórdia’”.

Foi São João Paulo II, o papa que canonizou Santa Faustina, e instituiu essa Festa na Igreja. Na canonização da apóstola da misericórdia, o então Papa disse: “Em todo o mundo, o segundo domingo de Páscoa receberá o nome de Domingo da Divina Misericórdia. Um convite para o mundo enfrentar, com confiança na benevolência divina, as dificuldades e as provas que esperam o gênero humano nos anos que virão”.

Dessa devoção aprendemos a rezar: “oh sangue e água que jorrastes do coração de Jesus como fonte de misericórdia para nós, eu confio em vós”. Hoje milhares de pessoas espalhados pelo mundo rezam o terço da misericórdia.

Jesus apareceu numerosas vezes a Santa Margarida Maria Alacoque entre 1673 e 1675 para falar sobre a devoção ao Seu Sagrado Coração. A Igreja instituiu a solenidade do Sagrado Coração de Jesus que é celebrada na igreja na sexta feira seguinte ao segundo domingo depois de Pentecostes.

O Papa Pio XII Haurietis Aquas, quis comunicar ao povo de Deus a importância do culto ao Sagrado Coração de Jesus. Disse ele: “Quando o divino Redentor pendia da cruz, sentiu o seu coração arder dos mais vários e veementes afetos, isto é, de afetos de amor ardente, de consternação, de misericórdia, de desejo inflamado, de paz serena; afetos claramente manifestados naquelas palavras: ‘Pai, perdoa-lhes; porque eles não sabem o que fazem’ (Lc 23, 34); ‘Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?’ (Mt 27, 46); ‘Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso’ (Lc 23, 43); ‘Tenho sede’ (Jo 19, 28); ‘Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito’ (Lc 23, 46)”.

Outra festa que nasce da mesma fonte é a do Preciosíssimo Sangue de Jesus. O Papa São João XXIII diz que toda a sua casa tinha esse culto e orava a ladainha do Preciosíssimo Sangue todo mês de julho.  Esse culto se propaga graças a São Gaspar del Búfalo, apóstolo dessa devoção que fundou uma Congregação que tem no Preciosíssimo Sangue de Cristo seu carisma.  .

Na Exortação Inde a Primis sobre o culto ao Preciosíssimo Sangue de Cristo, o Papa se dirige ao povo cristão assim: “Oh! se os cristãos refletissem mais frequentemente no paternal aviso do nosso primeiro papa: ‘Portai-vos com temor durante o tempo do vosso exílio. Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata ou ouro que fostes resgatados..., mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito e sem mácula’ (1 Pd 1,1719); se eles dessem mais solícito ouvido à exortação do apóstolo das gentes: ‘Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate; glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo’ (l Cor 6,20). Quanto mais dignos, mais edificantes seriam os seus costumes, quanto mais salutar para a humanidade inteira seria a presença, no mundo, da Igreja de Cristo! E, se todos os homens secundassem os convites da graça de Deus, que os quer todos salvos (cf. 1 Tm 2,4), porque ele quis que todos fossem remidos pelo Sangue de seu Unigênito, e chama todos a serem membros de um só corpo místico, do qual Cristo é a Cabeça, então quanto mais fraternas se tornariam as relações entre os indivíduos, os povos, as nações, e quanto mais pacífica, quanto mais digna de Deus e da natureza humana, criada a imagem e semelhança do Altíssimo (cf. Gn 1,26), se tornaria a convivência social”.

Desse modo, aprendemos que temos uma fonte inesgotável que jorra vida para todos que dela se aproximam.

Santa Faustina, rogai por nós!

Santa Margarida Maria Alacoque, rogai por nós!

São Gaspar del Búfalo, rogai por nós!

 

 

 

 

 


quinta-feira, 16 de julho de 2020

O Evangelho de Lucas - parte II

Pisando o chão das comunidades de Lucas

A nota que caracteriza as comunidades cristãs de Lucas são a nível externo as perseguições e a nível interno o enfraquecimento do fervor e entusiasmo da fé cristã. Isso aparece em Lc 21,12: "hão de vos prender, de vos perseguir, de vos entregar às sinagogas e às prisões [...]".

 O texto retrata situações históricas de conflitos e perseguições pelo poder político no tempo do imperador Tito (79-81) e Domiciano (81- 96). A comunidade é sofrida e nela se encontram pessoas indefesas: os pobres, os humildes, as mulheres, os pastores. Os pobres do evangelho de Lucas são uma designação global que inclui os cegos, os doentes, os coxos e aleijados, as viúvas, os aflitos, os excluídos, isto é, os samaritanos, os leprosos, todos chamados a ocupar os primeiros lugares no reino. Eles acolheram a Boa Nova para fugir da marginalização social, mas não encontraram a paz e o bem estar que desejavam. Jesus veio proclamar um ano da graça do Senhor (Lc 4,19), esperado por todos. O contraste entre pobres e ricos muito claro em Lc 6,20-26, reflete o conflito entre os cristãos e os "senhores", os fortes e bem sucedidos da época. A mesma situação aparece em Lc 16,19-21 onde uma minoria de ricos esbanja seus bens e uma maioria de pobres vive de esmolas. Esta situação social é bem retratada pelo autor também no canto de Maria (cf. Lc 1,51-53), na triste história de um rico fazendeiro (cf. Lc 12,16- 20), na conversão de Zaqueu (cf. Lc 19,1-9), na pregação de João Batista (cf. Lc 3,10- 14) e na maneira de apresentar os banquetes (cf. Lc 14,15-24) (cf. MOSCONI, 1991, p.31).

Os obstáculos das perseguições dos cristãos deveriam ser muito graves a ponto de causar desânimo e apostasia da fé (cf. Lc 12,4-12). Não faltam também a pressão dos fariseus convertidos à fé cristã (cf. At 15,5) que tentam colocar sua mentalidade conservadora sobre os convertidos do paganismo e do judaísmo. Tanto o espírito farisaico como o espírito de poder que perturba a comunidade são reprovados duramente (cf. Lc 11,37-54). A comunidade ideal apresentada nos Atos (cf. At 2,42-47; 4,32-34) é uma realidade ainda distante à ser alcançada.

 As lideranças são cegas e incompetentes (cf. Lc 6,39), preocupadas apenas com pequenas falhas dos irmãos. A parábola das duas árvores (cf. Lc 6,43), dos dois tesouros que tomam posse do coração (cf. Lc 6,45), das duas casas, retrata as diferentes situações comunitárias. A busca dos primeiros lugares (cf. Lc 22,24-30); a falta de disposição de acolher a palavra de Deus pregada (cf. Lc 8,8- 15), o perigo das riquezas, da ganância (cf. Lc 12,33-34) que gera desigualdades sociais como já nos referimos, é uma realidade retratada pelo evangelho na história do rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16,19-31) e na história do jovem rico (cf. Lc 18,18-30).

Constata-se, inclusive, que Lucas fala muito em multidões e povo como vamos vê. Essas multidões eram um povo doente (cf. Lc 5,15; 6,18-19), marginalizado e pecador (5,29-30), sedento de justiça e de um mundo novo (cf. 6,17-18; 9,11). Lucas fala muito em pão, comida, banquete, fome (cf. Lc 4,25; 6,21; 6,25; 14,1; 14,12-15; 15,14; 15,17; 15,23; 16,19-21; 21,11) o que revela que ele estava preocupado com a fome do povo, porque havia acumulação (cf. 12,16-19), exploração e roubo (cf. 19,1-8).

 Ao dar grande atenção à mulheres (cf. 7,11-17; 7,36-50; 8,1-3; 8,43-56; 10,38-42), o autor revela que na situação da comunidade devia haver desprezo e marginalização da mulher e ao mesmo tempo devia haver mulheres marcando significativa presença nas comunidades (cf. MOSCONI, 1991, p.31-32). A comunidade dos cristãos é um pequeno rebanho (cf. Lc 12,32), um convite de amigos, de iguais (cf. Lc 14,1-14), também de pecadores que desejam a conversão (cf. Lc 5,31; 7,34). As parábolas da misericórdia valem não tanto para os estrangeiros, quanto para os próprios irmãos na fé (cf. Lc 15,1-32). Na comunidade acontecem escândalos (cf. Lc 17,1-3), arrogâncias (cf. Lc 17,7-10), ingratidões (cf. Lc 17,11-19), mas a comunidade é sempre lugar de acolhida de irmãos, de amigos, de santos (cf. SPINETOLI, 1986, p.34-37).

Para conhecer a mensagem e os possíveis destinatários do evangelho de Lucas, vamos apresentar algumas palavras-chave desse livro.

Cidade – é usada cerca de trinta e nove vezes no evangelho de Lucas, em Mateus, vinte e seis vezes, e em Marcos, nove.

Pobres – desde o início, no cântico de Maria, ouvimos: “Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias” (Lc 1,52-53).

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para evangelizar os pobres” (Lc 4,18).

“Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho” (Lc 7,22; cf. 6,20).

De maneira dura, Jesus critica a avareza dos ricos, o acúmulo e a falta de compaixão e solidariedade com os pobres (Lc 12,16-21; 16,19-31).

Multidão/multidões  - Lc 8,42; cf. 5,1.3.15; 8,19.45; 11,29; 12,1; 14,25.

Em Lucas, o discurso das bem-aventuranças foi proclamado diante de uma imensa multidão (Lc 6,17-19).

A multidão testemunha os gestos de Jesus ao curar o servo de um centurião, ao ressuscitar o filho único da viúva de Naim, ao libertar as pessoas de espíritos impuros (Lc 7,9.11-12; 11,14).

Jesus é solidário com a multidão faminta no deserto (Lc 9,12.16). A multidão se alegra com as maravilhas realizadas por Jesus (Lc 13,17).

 Oração – palavra que é usada cerca de setenta vezes no evangelho de Lucas! É o evangelho que mais apresenta Jesus rezando e convida a comunidade a rezar. Só Lucas coloca Jesus rezando no batismo (Lc 3,21), após o milagre (Lc 5,16), antes da escolha dos Doze (Lc 6,12) e da confissão de Pedro (Lc 9,18), no momento da transfiguração (Lc 9,28-29) e no Getsêmani (Lc 22,46). Esse evangelho insiste na necessidade de ser perseverante na oração (Lc 11,5-8; 18,1), especialmente nos momentos de dificuldades (Lc 22,40.46). 

A salvação “hoje” -  “Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo-Senhor” (Lc 2,11).

(4,21; 5,26; 13,33; 19,5.9.43; 23,43).

Em Cristo, Deus nos oferece a salvação no tempo presente: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lc 4,21).

Na casa de Zaqueu, Jesus afirma: “Hoje a salvação entrou nesta casa” (Lc 19,9). 

Conversão – “não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento” (Lc 5,32).

 Misericórdia – Lc 15: as três parábolas da misericórdia.

Fonte:

fajopa.com/contemplacao/index.php/contemplacao/article/download/39/39

https://www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-biblicos/caminho-aberto-para-o-proximo-introducao-ao-evangelho-de-lucas/

vocacionalbarnabita.blogspot.com/2015/02/os-evangelhos-nada-afirmam.html

 

 

 


O Evangelho de Lucas - parte I


O nome dos autores dos Evangelhos nos títulos só vai aparecer a partir do século II. Mais precisamente o título euangelion kata Lourkan (Evangelho segundo Lucas), encontra-se no papiro 75 datado do ano 175-225, o chamado papiro Bodmer. Até esta época se conhecia mais “o Evangelho de Jesus Cristo” ou “o Evangelho de Deus” termos muito presentes nas cartas de Paulo escritas bem antes dos Evangelhos. Há especulações sobre quem seria o autor deste Terceiro Evangelho. Alguns o atribuem ao companheiro de viagem de Paulo “aquele Lucas de quem falam as cartas de Paulo (Cl 4,14; Fm 24; 2Tm4,11). A tradição antiga, desde Ireneu de Lião (Adv. Haer, III, 1,1; 14,1) até o fim do século II, não tem dúvidas a este respeito” (FABRI MAGGIONI 1992, p. 20, v.2).

Apesar de Lucas aparecer como o discípulo anônimo que relata nos Atos alguns episódios em primeira pessoa, durante a segunda e terceira viagens de Paulo (cf. At 16,10-17; 20—21,18; 27,1—28,16), a pesquisa bíblica atual não está segura de que Lucas tenha sido companheiro de viagem de Paulo. Pode ser que o autor dos Atos dos Apóstolos tenha escrito sua obra a partir de algumas informações sobre a viagem de Paulo (relatos de viagem), mas não necessariamente de um diário pessoal.

Para compor o seu escrito, Lucas provavelmente teve acesso a três fontes diferentes. A primeira é o texto de Marcos. A segunda é outra fonte comum a Mateus, denominada fonte Q, cuja reconstituição é hipotética, por meio de comparação entre Mateus e Lucas, eliminando o que é comum com Marcos. A terceira seria as fontes particulares que provavelmente eram das tradições orais e escritas dos círculos judeu-cristãos.

A data de composição do Evangelho de Lucas é estimada pelo ano 80 dC. A queda de Jerusalém é um dado que serve de referência para a datação. O discurso de Lucas sobre o fim (cf. Lc 21,20-38) contém indícios sobre o acontecimento da queda de Jerusalém. Ora, a distinção que Lucas faz entre o fim de Jerusalém e a vinda do filho do Homem coloca em favor de uma redação do discurso depois da queda da cidade. Desta forma, considerando o vínculo de Lucas e Marcos (escrito nos anos 70/75), como assim também o seu modo de se referir aos fatos do ano 70, pode indicar para o evangelho lucano uma data por volta dos anos 80/85.

Pelo estilo de literatura, percebe-se que Lucas é uma pessoa bem instruída, que domina muito bem o grego, sua língua materna e, apesar de ser da diáspora, conhece a Escritura. Não deve ter vivido na Palestina porque nota-se com nitidez que não conhece bem a sua geografia; por exemplo, confunde a Judéia com a Galileia (cf. Lc 4,44; 7,17; 23,5).

Destinatário

Tanto no Evangelho de Lucas (cf. Lc 1,3) quanto nos Atos dos Apóstolos (At 1,3) aparece claramente, no prólogo, o destinatário: Teófilo. Quem será esse Teófilo? Pode ser alguém importante que financiou a obra, como era costume na época; pode ser também alguma autoridade romana a quem Lucas quer apresentar Jesus e com isso defender os cristãos, ou pode ser simplesmente um nome simbólico, pois Teófilo significa amigo de Deus.

No entanto, lendo o Evangelho e os Atos dos Apóstolos, percebe-se que os verdadeiros destinatários são as comunidades cristãs espalhadas pelo Império Romano, ligadas ao mundo gentílico, possivelmente de origem paulina. São provavelmente comunidades urbanas e lugares no quais é forte o comércio, onde participam ricos e pobres. Observe que Lucas é o único que narra a conversão de Zaqueu, que era rico (cf. Lc19, 1-10) e aponta fortemente os perigos da riqueza.

Estrutura

No Evangelho de Lucas se encontram oito grandes partes, geralmente aceitas pelos comentaristas modernos, que são:

Primeira, Lc 1,1-4, Prólogo, é uma declaração das intensões do autor. Lucas manifesta o que pretende com sua narração do que Jesus fez e ensinou: um relato fiel com uma dedicatória a Teófilo. Segunda, Lc 1,5-2,52, Relatos da infância, narração em paralelismo do nascimento e infância de João Batista e de Jesus.

Terceira, Lc 3,1-4,13: Preparação do ministério público de Jesus, pregação de João Batista, sua prisão, o batismo e tentação de Jesus como preparação do seu ministério.

Quarta, Lc 4,14-9,50, Ministério de Jesus na Galiléia, vocação e preparação dos discípulos que serão, mais tarde, os continuadores da obra do mestre; ponto de partida do grande êxodo de Jesus.

A quinta grande parte corresponde, por sua vez, Lc 9,51-19,27, Relato da viagem de Jesus para Jerusalém, típica apresentação lucana do êxodo de Jesus como um grande relato de viagem; ocupa a parte central do evangelho (cf. Lc 9,51-18,14); alude-se a narração da viagem a Jerusalém, tomada dos outros sinóticos (cf. Lc 18,15- 19,27).

Sexta, Lc 19,28-21,38, Ministério de Jesus em Jerusalém, a entrada triunfal em Jerusalém marca o começo do seu ministério no templo. Começa o processo que irá por fim à vida terrena de Jesus.

Sétima, Lc 22,1-23,56a, Relato da paixão, ponto alto do êxodo de Jesus, na morte coroada depois pela ressurreição começa a ascenção de Jesus ao Pai. Oitava, Lc 23,56b-24,53, Relatos de ressurreição, exaltação de Jesus e sua própria glorificação. Envio dos seus discípulos como testemunhas de sua pessoa como salvador, enquanto Jesus sobe até o Pai.

A obra lucana é constituída de dois livros: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos. O propósito de Lucas é escrever sobre a vida de Jesus e o início do cristianismo, procurando o significado teológico da história. Para ele, a história está dividida em três partes: o Antigo Testamento, que é o tempo da espera do cumprimento da promessa; o Evangelho, que é o tempo do cumprimento da promessa, e os Atos dos Apóstolos, que é o tempo da Igreja.

Para compreender melhor, visualizamos como Lucas entende a história da salvação a partir do seguinte quadro:

De Adão até Jesus

Do nascimento de Jesus até a ascensão

Da ascensão de Jesus até a Parusia

Tempo da Promessa

Tempo de Jesus

Tempo da Igreja

Deus promete a Salvação

Deus salva em Cristo; ele cumpre sua promessa em Jesus: “Deus visita o seu povo”

Deus continua salvando

AT (a Lei e os Profetas)

Evangelho de Lucas (A grande Viagem)

Atos dos Apóstolos

 

A compreensão da história. Por causa desta compreensão da história, no Evangelho, Lucas relata a vida e o ministério de Jesus de Nazaré descrevendo desde o seu nascimento até sua ascensão. O Evangelista conta os acontecimentos da vida de Jesus, tendo como pano de fundo alguns fatos da história de seu tempo. Lucas destaca nomes de importantes personagens, como governadores, sumos sacerdotes etc. O evangelista faz historiografia sagrada; manipula nomes, datas, eventos em prol de sua teologia.

No Antigo Testamento, começando por Adão, vem o Tempo da Promessa. Para Lucas, todo o Antigo Testamento sempre aponta para a aliança de Deus com o seu povo: Deus promete a salvação. No primeiro momento, Deus deu a Lei a Moisés; no segundo momento, vêm os Profetas insistindo na justiça e no cumprimento da aliança. Assim, até João Batista, serviam a Lei e os Profetas. João Batista faz a passagem do Tempo da Promessa para o Tempo de Jesus. Lucas escreve o Evangelho e os Atos para completar a Lei e os Profetas.

No Evangelho, começa o Tempo de Jesus. Em Jesus, se cumpre a Promessa de Deus. Deus salva em Cristo. O próprio Deus visita o seu povo salvando-o, estendendo a ele sua mão misericordiosa. Deus entra na história humana por meio de Jesus e, em Jesus, Deus ama e salva seu povo.

Nos Atos dos Apóstolos, é o Espírito que acompanha a Igreja. É o Espírito quem revela a Boa Nova de Jesus. É por meio do Espírito que as pessoas vão aderir a Jesus, Palavra do Pai, anunciado pelos discípulos. O Espírito Santo aparece em Atos dos Apóstolos inúmeras vezes. É o protagonista do livro, onde atuam dois grandes representantes da Igreja: Pedro e Paulo. Pedro anuncia a Palavra entre os judeus e Paulo anuncia a Palavra entre os gentios.

Enfim, tendo em consideração toda essa historiografia que narra Lucas podemos concluir que é o Evangelho do Caminho, constituído por uma grande viagem que Jesus percorreu até Jerusalém, o lugar onde foi crucificado. Tal relato aponta para uma intenção teológica do autor acerca do lugar da morte de Jesus. Jerusalém é o centro religioso do judaísmo, e Jesus vai até lá para morrer. De Jerusalém, partirá a Palavra que vai chegar até os confins da terra (Roma) e isso será narrado nos Atos dos Apóstolos.

Fonte:

fajopa.com/contemplacao/index.php/contemplacao/article/download/39/39

https://www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-biblicos/caminho-aberto-para-o-proximo-introducao-ao-evangelho-de-lucas/

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quarta-feira, 8 de julho de 2020

Nossa importante companhia

Antes mesmo da aurora ela acompanha aqueles que despertam. Pode ser ouvida junto com o canto do galo ou dos pássaros que cedo saúdam o autor da criação. Ela sai junto com os trabalhadores. Vai para os campos preparar  a terra, cruza a cidade de carro, ônibus ou metro. Ela sobe e desce a rua, roda pela feira, senta na mesa daqueles que tomam um café, vai aos escritórios, fábricas, indústrias. Não deixa de ir às escolas, gosta muito de ouvir o que às crianças dizem. 

Ela entra em nossas casas, arruma seu canto. Pode ser simples, ela não se importa. O que ela quer é  estar em nossa casa, participar da refeição. Quando a chamamos para a refeição ela se alegra. Mesmo que seja junto daquele que não tem o que comer...ela não abandona aquele que passa fome!

Por todo o canto podemos vê-la. Ela nos surpreende. Nas muitas aldeias ela entra, nas vilas e favelas. Ela gosta de andar pela periferia. Ali ela encontra gente que não cansa de chama-la. Por vezes, passa horas a ouvir seus lamentos, suas pedidos e  súplicas. Ali ela encontra um povo simples, que quer que ela acompanhe a canção. Canção de esperança. 

Nós prédios, ruas e avenidas podemos vê-la. Com dificuldade é verdade. Parece que falta aos que moram aí tempo para estar com ela. Ela é insistente. Seja nos grandes palácios ou nas casas de palafita, ali ela quer ficar. Mesmo que seja junto daquele que não tem onde morar...Um sem teto, ela nunca abandona!

Conversa com crianças, brinca com elas. Gosta de ouvir os jovens também. Os namorados gostam da sua companhia. Pedem seus conselhos. Ela fortalece os compromissos dos casais. Segue-os. E é no momento que os filhos nascem que sua companhia é sempre evocada. Foi ela que ensinou os idosos a sabedoria de “contar os seus dias”. No momento das aflições todos querem sua presença, por isso mesmo que ela sempre entra nos hospitais. Segura nas mãos de médicos e enfermeiros, fica ao lado de todos os que estão doentes. Não abandona os agonizantes. Ela ousa descer ao ambiente tenebroso dos presídios. Alguns que ali estão querem a sua luz. Mesmo que seja junto daquele que está preso...Um presidiário, ela nunca abandona!

Ela está no começo e fim da vida, no nascimento e na morte, nas canções e poesias, nos amores e desamores. É através dela que alguns jovens amadurecem seu desejo de seguir a Cristo. É com ela que muitos trocam aliança no santo matrimônio e também escolhem vestir-se com as cores da sua vocação: marrom, azul, branco, cinza, preto. É através dela que deixam suas casas para atender ao chamado do Senhor: “vai, vende tudo que tem e dá aos pobres”. Ela entra nos lares das famílias, nas celas dos monges, nas capelas de uma comunidade do interior ou em uma catedral.

Você já descobriu quem é ela? 

Ela tem seu jeito próprio de falar...rosto no chão ou elevado para o alto, de mãos postas e joelhos dobrados. No silêncio ou através de palavras repetidas. De pé, sentado, com braços abaixados ou erguidos. Com música, dança, silêncio ou vibração. Ela é comunicação. Ela se veste com roupas simples ou pomposas. Aonde for, você a encontra. Se você ainda não sabe quem é, ela rima com compaixão, constelação, admiração, satisfação, compreensão, vibração...rima também com solidão, multidão, perseguição, transformação, comunhão. 

Sade de quem estou falando?

Eu estou falando da oração, nossa companhia de todos os dias! Nessa hora, é Deus que vem ao nosso encontro cheio de amor para nos comunicar suas eternas lições. Ao seu lado, ouvimos Ele dizer: "teu nome está gravado na palma de minha mão", "eu te amo e te aprecio", eis que eu estou convosco", "não tenhais medo".

Os discípulos queriam aprender a orar. Jesus ensina a eles a oração do Pai Nosso. Deus é Pai, e através desta oração aprendemos a reconhecer que não estamos sozinhos. É esse importante encontro que transforma nossa forma de pensar e agir.  Por isso, ore... ore sem cessar... Ore sem cansar!

Depois desse encontro não somos mais os mesmos!