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terça-feira, 13 de agosto de 2019

Como é que se forma uma comunidade? A Tessalônica de ontem e de hoje


"Passaram por Anfípolis e Apolônia e chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus" (At 17,1).
Na segunda viagem missionária (49-52 d.C.), Paulo atravessou a província da Ásia (a atual Turquia) e chegou à cidade de Filipos, na província da Macedônia (atualmente Grécia meridional), por volta do ano 50 d.C. Esse foi o início de sua missão na Europa. Apesar de todas as dificuldades (Cf.1Ts 2,2a), eles continuavam anunciado a boa nova da salvação formando novas comunidades como entrevemos na saudação do apóstolo, “Paulo, Silvano e Timóteo à igreja dos Tessalonicenses, reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 1,1).
            Como é que se forma uma comunidade? Através da força do Espírito Santo, somos atraídos até Jesus e passamos a nos reunir em torno da sua Palavra. “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas mediante um encontro com um acontecimento, com um uma pessoa que dá um novo horizonte a vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DA 243). Por isso, se faz necessário “quem pregue” (Cf. 1 Cor 10,14ss), que o anúncio seja permanente para que esse encontro decisivo aconteça.
Quando esse encontro acontece, vidas são transformadas pela força do Espírito Santo, homens e mulheres passam a seguir aquela voz que ressoa em todos os cantos criando uma realidade marcada pela presença do ressuscitado. Devemos acrescentar que esse encontro com Jesus “provoca uma conversão de vida, que leva ao discipulado, gera comunidade e impele a sair em missão” (DA 278).
            Paulo e Silas passaram meses testemunhando a boa nova da salvação. Nossas comunidades começam com um forte impulso carismática que nos empurra a testemunhar cada vez mais o amor que nos une e reúne em torno do Cristo que vive. O Evangelho se torna vivo e muitos vão se agregando a nossas comunidades, o que provoca uma efervescência entre nós. A comunidade reunida se torna palavra profética.
A comunidade é formada por quem segue e por quem professa a fé. O seguimento vem do encontro com o Cristo ressuscitado. Foi esse encontro que fez o apostolo Paulo deixar tudo para trás para correr atrás do conhecimento de Cristo, seu bem supremo (Cf. Fl 3,8). Esse encontro nasce da proclamação dos crentes que pregam com ou sem palavras despertando a fé nos que veem e ouvem. Depois essa fé se torna testemunho no lugar em que vivemos, porque esse “Jesus que chama é o mesmo que envia. Ele chama para estar consigo e para sair em missão. Por isso não se pode separar a vida em comunidade da ação missionaria, como se uma só dessas dimensões bastasse” (DGAE 18). Não foi isso que Paulo e seus companheiros fizeram? Não foi isso que despertou a fé, sendo o ponta pé inicial de novas comunidades?
Não podemos abdicar nosso status missionário. O que percebemos muitas vezes em nossas comunidades é que o ardor vai diminuindo e vamos nos enrolando com reuniões e mais reuniões, burocratizando cada vez mais a vida comunitária pondo nossos esforços na “pastoral de conservação”. O espírito Santo continua interpelando as comunidades a não abandonar sua raiz fundante. Do seu jeito próprio, no lugar em que foram enraizadas devem proclamar que Cristo está vivo. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos devemos permanecer com ouvidos bem abertos para escutar o Senhor que diz: “IDE”.
            Depois que os apóstolos foram expulsos de Filipos, eles seguiram para o oeste, pela via Egnatia, a grande estrada romana que ligava Roma com as províncias do Oriente, fazendo conexão com importantes estradas, como a via Ápia (vinda de Roma). Depois de uma jornada de cerca de 150 quilômetros, Pau­lo e Silas chegaram à cidade de Tessalônica (atualmente Salônica, Grécia), capital da província da Macedônia. Uma das cidades mais movimentadas e prósperas do Império Romano no século I.
O cristianismo paulino foi preferencialmente, um fenômeno urbano.[1] Um dos desafios que vivemos hoje é a cultura urbana. Ontem e hoje somos chamados a ler a realidade que nos cerca para transformar pela força do Evangelho: “Quando a Igreja fala em evangelização da cultura urbana, tem clareza de que ‘não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação’” (DGAE 31).
Fé e cultura sempre se entrelaçaram. Como nossas comunidades têm iluminado a cultura urbana? Como essa cultura tem mudado a rotina de nossas comunidades?
Devido a localização privilegiada de Tessalônica a cidade presenciava uma grande circulação de indivíduos vindo de todos os lugares interessados em fazer negócios e explorar as riquezas do lugar. As informações históricas atestam, entre a população grega da cidade, a presença de vários povos: egípcios, trácios (povo indo-europeu), ítalos (da antiga Itália), sírios, ju­deus, entre outros. Por isso, podemos dizer que não só mercadorias circulavam mais ideias, crenças, medos, preconceitos, lendas, histórias e mitos que provocavam uma enorme pluralidade.
Essa pluralidade se verificava também nas crenças religiosas. Além dos cultos locais e das divindades do Olimpo grego (Zeus, Apoio, Ares, Afrodite, Dionísio etc.), a presença de cultos às divinda­des “estrangeiras” é bem atestada em Tessalônica: cultos romanos com suas divindades (Júpiter, Febo, Martes, Vênus etc.), culto obrigatório ao imperador (salvador e messias), divindades egípcias (Serápis, Osíris, Anúbis), asiáticas (Átis e Cibele) . O judaísmo tinha o seu espaço já que gozava de licitude por parte das autoridades. Também não faltavam novas religiões de mistérios, vindas do Oriente. Seus pregadores circulavam pelas ruas da cidade, vendendo o “êxtase espiritual”. Um verdadeiro mercado religioso!
Se olhamos para “as Tessalônicas” de hoje, vemos a mesma pluralidade em todos os cantos. Um simples olhar ao nosso redor atesta isso. O mercado de ideias, crenças, ídolos, mitos, ritos, estão em todo lugar tornando desafiador a vida em comunidade. Um emaranhado de fios precisa ser desenrolado em nossas comunidades graças ao progresso técnico-cientifico, opções de entretenimento, alcance dos meios de comunicação, circulação de ideologias, alternativas religiosas, desigualdades sociais, o que nos obriga a examinar o quanto não estamos sendo estrangulados por esses fios visíveis e invisíveis que por vezes, são difíceis de quebrar.
Quem chega em nossas comunidades vem pelas inúmeras estradas existenciais, virtuais e conflitivas que se criaram no meio em que vivemos. Elas trazem consigo sonhos, esperanças, planos, projetos, derrotas, fracassos, tristezas, magoas...enfim, eles não vêm de mãos vazias. Alguns carregam histórias que podem ser contadas, outras preferirem esconder ou até mesmo mudar, mentindo, enganando a si mesmo e aos outros. Eles já viram e ouviram muito ao longo da sua trajetória de vida e não sabemos o quanto isso os tem afetado. Mas, o Cristo itinerante, os achou pelo caminho e disse, “vinde e vede”. Portanto, nossas comunidades devem estar de portas abertas para acolher quem chega, preparadas para cuidar, sendo igreja samaritana (Cf. Lc 10,30-37).  
            “Alguns deles creram e associaram-se a Paulo e Silas, como também uma grande multidão de prosélitos gentios, e não poucas mulheres de destaque” (At 17,4).






[1] Pulga, Rosana. Os carismas na teologia paulina, edições Paulinas, 2008.

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