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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Deus quer ouvir a voz da sua comunidade


O nosso Evangelho vos foi pregado não somente por palavra, mas também com poder, com o Espírito Santo e com plena convicção. Sabeis o que temos sido entre vós para a vossa salvação”.
Cada comunidade é uma palavra viva de Deus para a humanidade. O que se quer é que essa palavra seja poderosa. É como isso vai acontecer? Através da ação do Espírito Santo. É ele que vai transformando cada comunidade em uma arma poderosa para derrubar “os ídolos” (Cf. 1 Ts 1,9b) modernos que tem prostrado a tantos diante de deuses, não mais construídos de madeiras ou barro, mas sim de fios e conexões.
Sem o Espírito Santo não existe comunidade. É ele que inspira e faz com que se levante uma voz poderosa que possa ser ouvida. Voz de Deus que ecoa através das palavras e obras que cada comunidade comunica. Essa é a hora que o Espírito Santo faz expirar. Palavras e obras nada mais são do que aquilo que dizemos e fazemos cotidianamente em nossa vida comunitária. Quando mais o Espírito Santo age mais inspiramos e expiramos nos transformando em “modelos” (Cf. 1 Ts 1,7) para outros que precisam se converter e servir ao Deus vivo e verdadeiro (Cf. 1 Ts 1,9c).
“E vós vos fizestes imitadores nossos e do Senhor, ao receberdes a palavra, apesar das muitas tribulações, com a alegria do Espírito Santo”.
            O Espírito Santo é o autor de cada comunidade e nós somos os atores. Atuamos para que outros queiram fazer o caminho na direção do Cristo ressuscitado que permanece vivo em cada comunidade. Não “fingimos” ou “encenamos”, mas testemunhamos com nossas vidas o amor que nos conquistou através da vida que vivemos. É preciso dizer que fomos conquistados pela forma que viviam outros irmãos e irmãs antes de nós. Eles amaram primeiro. É simples. Amamos o amado. É o amor quem transforma. De repente somos transformados naquele que amamos. Os outros veem isso. Eles veem a forma como vivemos depois que passamos a amar o amado. E aí, eles passam a querem amar também.
Não posso deixar de lembrar que Paulo fala das tribulações. Isso mesmo. Tem alguns que não querem amar a Cristo. Na verdade, alguns odeiam a Cristo. Por isso, a forma que vocês vivem em comunidade vai irritá-los, provoca-los. Eles vão perseguir, caluniar, mentir e até mesmo querer machucar vocês. E o que fazemos nessa hora? Ouvimos o autor da nossa fé: “coragem, eu venci o mundo!”.
Desconhecemos a força da forma como vivemos nossa experiencia de fé. Paulo elogia a comunidade de Tessalônica, as suas obras de fé, os sacrifícios da caridade que fazem e a sua firmeza na esperança (Cf. 1 Ts 1,1). O acolhimento da comunidade também chama a atenção do apóstolo. Porque Deus faz nascer uma comunidade¿ Para que ela se transforme em um sinal vivo da vida do mistério de Cristo que o Espírito inspirou. Assim, viver essa inspiração através de palavras e obras é o que nos cabe fazer.



quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Cada comunidade é uma obra de Deus


“Não cessamos de dar graças a Deus por todos vós, e de lembrar-vos em nossas orações” (1Ts 1,2).

Existe entre nós um parentesco espiritual estabelecido por vínculos que “águas torrenciais jamais poderão apagar” (Cf. Ct 8,7), porque é o amor que o fortalece ao longo da convivência. Um alcoólatra começou a participar da nossa comunidade. Ele vinha com muita frequência. E um dia, ele me confidenciou que por causa da acolhida que recebeu passou-se a sentir em casa, como se fossemos sua família. Esse exemplo ilustra bem o que nossas comunidades devem ser: uma casa de acolhida para os irmãos e irmãs. 

Como é o amor quem fortalece nossos vínculos espirituais, podemos faze-los crescer através da oração. A caridade evangélica é perfeitamente exercida quando nos propomos a orar uns pelos outros. Sem nos darmos conta nos aproximamos daqueles que estão em nossas orações e isso cria um nó espiritual que não se quebra tão facilmente sustentando assim, os fortes e os fracos. A oração pelos nossos irmãos e irmãs nos ajuda a vencer o egoísmo que insiste em nos fazer esquecer de quem se uniu a nós pelos laços da fé. Cria-se uma solidariedade espiritual capaz de nos curar da cegueira que nos impede de ver o outro.

Por que estou insistindo nisso? Muitas vezes quem chega em nossas comunidades tem suas próprias preocupações. E ora continuamente para que Deus atenda suas necessidades materiais e espirituais. Mas, só quem fica, quem persevera, é quem passa a se preocupar com os outros. Na verdade, quem atravessa o limiar do eu para o nós passa a se sentir parte da família. Quem fica no eu pode até continuar, porém, vai atrapalhar muito a vida dos que passam a pertencer a essa nova família por causa da sua indiferença, egoísmo e insensibilidade. O que fazer então com esses que não atravessam esse limiar? Orar! Porque é fazendo essa travessia que chegaremos ao céu.
A decisão de viver em comunidade é uma resposta a pergunta que Jesus mesmo faz e que ele mesmo respondeu: “todo aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12,50).
No vs. 3, o Apostolo Paulo relaciona as virtudes teologias, fé, esperança e caridade as obras, a firmeza e aos sacrifícios, respectivamente.
Podemos dizer que a comunidade, por si só, é uma grande obra. Deus não levanta uma comunidade, se não para ser uma grande obra. Essa é a nossa certeza. Não podemos nos confundir achando que ser uma grande obra é ser uma grande comunidade, numerosa, espalhada por vários lugares, reconhecida por todos. Uma comunidade que se transforma em uma grande obra é aquela que se alegra com o que é e procura ser aquilo que O Espírito Santo a chamou a ser. O segredo é saber o que Deus chamou a ser. Devemos seguir as pistas para descobrir.
Santa Teresinha nos dá uma valiosa lição nesse sentido através da Parábola das flores do jardim. Diante de suas inquietações ela reconhece que todas as flores são belas e exalam o seu cheiro, mais nem todas são lírios ou rosas, algumas são violetas e malmequer. Compreendeu então que "se todas as florzinhas quisessem ser rosas, a natureza perderia sua gala primaveril, não haveria mais campos esmaltados de pequenas flores". E concluiu: "Dá-se o mesmo no mundo das almas, que é o jardim de Jesus. Quis Ele criar os grandes santos, os quais podem comparar-se aos lírios e às rosas; mas criou também os menores, e estes devem contentar-se em ser malmequeres ou violetas, destinados a deleitar os olhos do Bom Deus, quando os sujeita a seus pés. A perfeição consiste em fazer sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos".
Essa parábola pode ser interpretada por nós. Basta olhar e ver que no jardim de Deus existem grandes e pequenas comunidades. Algumas tem conseguido expandir seus ramos em tantos lugares e outras que ficam circunscritas a paróquia onde nasceram. Algumas atuam em tantas áreas que acabam ganhando notoriedade, outras desempenham um trabalho que nem sempre é reconhecido. Mas, não é isso que faz o jardim da Igreja ser tão bonito? Reconheçamos o nosso valor e façamos a vontade de Deus sendo aquilo que fomos chamados a ser. Poderemos nos perder se quisermos ser o que Deus chamou o outro a ser, entendem? Não podemos usurpar o que foi dado a outro! Ao contrário, devemos nos alegrar com o que foi dado a nós e aos outros, nos beneficiando dos dons que foram repartidos pelo próprio como lhe aprouve.
Grandes obras precisam de homens e mulheres firmes. Jesus uma vez contou uma parábola da casa edificada na rocha (Cf. Mt 7,24. Chuvas, ventos fortes e enchentes não podem derruba-la porque ela está firme. O Mestre nessa parábola também nos alerta que se a casa não estiver bem edificada será grande a sua ruína. Agora imagine que essa casa seja a sua comunidade. Ela pode está bem edificada ou não. Se sim, ela ficará firme quando sobrevierem as dificuldades, os conflitos, perseguições, disputas, intrigas, calunias ou difamações. Essa firmeza vem da esperança que não engana (Cf. Rm 5,5) que associada a fé que nos move nos torna fortes nas lutas que teremos que travar para permanecermos juntos.
Quanto mais o Espírito Santo nos conduz ao aprofundamento da vida em comunidade, mais firmes ficaremos. E para que isso aconteça devemos fazer sacrifícios. Esses sacrifícios são uma prova de amor dada por quem se descobriu amado e quer, responder ao amor com amor. Dizendo de um outro jeito, quando decidimos viver em comunidades temos que aprender a fazer os sacrifícios diários da vida espiritual. São Lucas nos diz que as primeiras comunidades eram assíduas ao ensinamento dos apóstolos, a fração do pão e as orações (Cf. At 2,42). Isso não exigia nada deles? Claro que sim, ainda mais quando recordamos o contexto de instabilidade que marcava essas comunidades nascentes.
Oseias fala de um sacrifício que vem dos nossos lábios (Cf. Os 14,2). Um sacrifício com cânticos de louvor é o que oferece Jonas (Cf. Jn 2,10). São Paulo nos diz que nós devemos progredir no amor, por causa do exemplo de Cristo, “que nós amou e por nós se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor” (Ef 5,2). Qualquer pai ou mãe que exerça bem o seu papel consegue dizer o que é sacrifício e acredita que todo o esforço não é em vão. Nós que aceitamos viver nessa nova família espiritual sabemos que os sacrifícios são inúmeros: regra, reuniões, missões, orações, leituras, estudos, compromissos. O sacrifício é o da vida toda doada por causa do amor que nos conquistou. É um sacrifício regado pelo Espírito Santo que transforma as horas em instantes transformadores, os suores e lágrimas em água viva, que lançado no chão da vida faz crescer novas esperanças.

“Sabemos irmãos amados de Deus, que sois eleitos” (1 Ts 1,4).



terça-feira, 13 de agosto de 2019

Como é que se forma uma comunidade? A Tessalônica de ontem e de hoje


"Passaram por Anfípolis e Apolônia e chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus" (At 17,1).
Na segunda viagem missionária (49-52 d.C.), Paulo atravessou a província da Ásia (a atual Turquia) e chegou à cidade de Filipos, na província da Macedônia (atualmente Grécia meridional), por volta do ano 50 d.C. Esse foi o início de sua missão na Europa. Apesar de todas as dificuldades (Cf.1Ts 2,2a), eles continuavam anunciado a boa nova da salvação formando novas comunidades como entrevemos na saudação do apóstolo, “Paulo, Silvano e Timóteo à igreja dos Tessalonicenses, reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 1,1).
            Como é que se forma uma comunidade? Através da força do Espírito Santo, somos atraídos até Jesus e passamos a nos reunir em torno da sua Palavra. “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas mediante um encontro com um acontecimento, com um uma pessoa que dá um novo horizonte a vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DA 243). Por isso, se faz necessário “quem pregue” (Cf. 1 Cor 10,14ss), que o anúncio seja permanente para que esse encontro decisivo aconteça.
Quando esse encontro acontece, vidas são transformadas pela força do Espírito Santo, homens e mulheres passam a seguir aquela voz que ressoa em todos os cantos criando uma realidade marcada pela presença do ressuscitado. Devemos acrescentar que esse encontro com Jesus “provoca uma conversão de vida, que leva ao discipulado, gera comunidade e impele a sair em missão” (DA 278).
            Paulo e Silas passaram meses testemunhando a boa nova da salvação. Nossas comunidades começam com um forte impulso carismática que nos empurra a testemunhar cada vez mais o amor que nos une e reúne em torno do Cristo que vive. O Evangelho se torna vivo e muitos vão se agregando a nossas comunidades, o que provoca uma efervescência entre nós. A comunidade reunida se torna palavra profética.
A comunidade é formada por quem segue e por quem professa a fé. O seguimento vem do encontro com o Cristo ressuscitado. Foi esse encontro que fez o apostolo Paulo deixar tudo para trás para correr atrás do conhecimento de Cristo, seu bem supremo (Cf. Fl 3,8). Esse encontro nasce da proclamação dos crentes que pregam com ou sem palavras despertando a fé nos que veem e ouvem. Depois essa fé se torna testemunho no lugar em que vivemos, porque esse “Jesus que chama é o mesmo que envia. Ele chama para estar consigo e para sair em missão. Por isso não se pode separar a vida em comunidade da ação missionaria, como se uma só dessas dimensões bastasse” (DGAE 18). Não foi isso que Paulo e seus companheiros fizeram? Não foi isso que despertou a fé, sendo o ponta pé inicial de novas comunidades?
Não podemos abdicar nosso status missionário. O que percebemos muitas vezes em nossas comunidades é que o ardor vai diminuindo e vamos nos enrolando com reuniões e mais reuniões, burocratizando cada vez mais a vida comunitária pondo nossos esforços na “pastoral de conservação”. O espírito Santo continua interpelando as comunidades a não abandonar sua raiz fundante. Do seu jeito próprio, no lugar em que foram enraizadas devem proclamar que Cristo está vivo. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos devemos permanecer com ouvidos bem abertos para escutar o Senhor que diz: “IDE”.
            Depois que os apóstolos foram expulsos de Filipos, eles seguiram para o oeste, pela via Egnatia, a grande estrada romana que ligava Roma com as províncias do Oriente, fazendo conexão com importantes estradas, como a via Ápia (vinda de Roma). Depois de uma jornada de cerca de 150 quilômetros, Pau­lo e Silas chegaram à cidade de Tessalônica (atualmente Salônica, Grécia), capital da província da Macedônia. Uma das cidades mais movimentadas e prósperas do Império Romano no século I.
O cristianismo paulino foi preferencialmente, um fenômeno urbano.[1] Um dos desafios que vivemos hoje é a cultura urbana. Ontem e hoje somos chamados a ler a realidade que nos cerca para transformar pela força do Evangelho: “Quando a Igreja fala em evangelização da cultura urbana, tem clareza de que ‘não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação’” (DGAE 31).
Fé e cultura sempre se entrelaçaram. Como nossas comunidades têm iluminado a cultura urbana? Como essa cultura tem mudado a rotina de nossas comunidades?
Devido a localização privilegiada de Tessalônica a cidade presenciava uma grande circulação de indivíduos vindo de todos os lugares interessados em fazer negócios e explorar as riquezas do lugar. As informações históricas atestam, entre a população grega da cidade, a presença de vários povos: egípcios, trácios (povo indo-europeu), ítalos (da antiga Itália), sírios, ju­deus, entre outros. Por isso, podemos dizer que não só mercadorias circulavam mais ideias, crenças, medos, preconceitos, lendas, histórias e mitos que provocavam uma enorme pluralidade.
Essa pluralidade se verificava também nas crenças religiosas. Além dos cultos locais e das divindades do Olimpo grego (Zeus, Apoio, Ares, Afrodite, Dionísio etc.), a presença de cultos às divinda­des “estrangeiras” é bem atestada em Tessalônica: cultos romanos com suas divindades (Júpiter, Febo, Martes, Vênus etc.), culto obrigatório ao imperador (salvador e messias), divindades egípcias (Serápis, Osíris, Anúbis), asiáticas (Átis e Cibele) . O judaísmo tinha o seu espaço já que gozava de licitude por parte das autoridades. Também não faltavam novas religiões de mistérios, vindas do Oriente. Seus pregadores circulavam pelas ruas da cidade, vendendo o “êxtase espiritual”. Um verdadeiro mercado religioso!
Se olhamos para “as Tessalônicas” de hoje, vemos a mesma pluralidade em todos os cantos. Um simples olhar ao nosso redor atesta isso. O mercado de ideias, crenças, ídolos, mitos, ritos, estão em todo lugar tornando desafiador a vida em comunidade. Um emaranhado de fios precisa ser desenrolado em nossas comunidades graças ao progresso técnico-cientifico, opções de entretenimento, alcance dos meios de comunicação, circulação de ideologias, alternativas religiosas, desigualdades sociais, o que nos obriga a examinar o quanto não estamos sendo estrangulados por esses fios visíveis e invisíveis que por vezes, são difíceis de quebrar.
Quem chega em nossas comunidades vem pelas inúmeras estradas existenciais, virtuais e conflitivas que se criaram no meio em que vivemos. Elas trazem consigo sonhos, esperanças, planos, projetos, derrotas, fracassos, tristezas, magoas...enfim, eles não vêm de mãos vazias. Alguns carregam histórias que podem ser contadas, outras preferirem esconder ou até mesmo mudar, mentindo, enganando a si mesmo e aos outros. Eles já viram e ouviram muito ao longo da sua trajetória de vida e não sabemos o quanto isso os tem afetado. Mas, o Cristo itinerante, os achou pelo caminho e disse, “vinde e vede”. Portanto, nossas comunidades devem estar de portas abertas para acolher quem chega, preparadas para cuidar, sendo igreja samaritana (Cf. Lc 10,30-37).  
            “Alguns deles creram e associaram-se a Paulo e Silas, como também uma grande multidão de prosélitos gentios, e não poucas mulheres de destaque” (At 17,4).






[1] Pulga, Rosana. Os carismas na teologia paulina, edições Paulinas, 2008.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O início da RCC na Arquidiocese de Fortaleza


No período em que a Renovação Carismática chega a Fortaleza, a cidade está vivendo sob o “ciclo dos coronéis”. A ditadura militar conhece o seu apogeu através do ilusório milagre econômico brasileiro. Os governadores estaduais são indicados pelo Presidente da República. Através de atos institucionais decretados pelo poder executivo, muitas pessoas foram presas, inclusive aqui em Fortaleza: jornalistas, médicos operários, professores, estudantes, religiosos, oposicionistas permaneciam no 23o BC até segunda ordem.
A nível nacional, a RCC se desenvolve e parece não se importar com o cenário político-social do Brasil. Não consta, pelo que pesquisei nenhuma manifestação que se refira a problemática brasileira seja através de carta circular, boletim, jornais, etc. Paralela a toda tentativa de democratização, a Renovação cresce “por fora”, com uma preocupação estritamente eclesial, pois o movimento carecia de legitimação por parte dos poderes eclesiásticos, que olhavam com certo desdém para as atividades realizadas nos grupos de oração. Essa atitude parece se reproduzir também em Fortaleza. 
Na década de 70 chega da África ao Brasil, um missionário chamado Pe. Philippe Prevost[1], que começou a realizar experiências de oração na cidade, com grande atuação no movimento dos cursilhos, preparando o terreno para a chegada da RCC em Fortaleza, tanto que muitos dos que fizeram a primeira experiência do ‘batismo no Espírito Santo’ eram cursilhistas. Essa relação entre esses dois movimentos se evidenciou em vários lugares onde a Renovação se desenvolveu.
A Renovação chega a Fortaleza em 1975. Em um final de semana estavam reunidos alguns religiosos e religiosas e pessoas que participavam dos cursilhos de Cristandade, de 23 a 25 de Junho, onde o Pe. Eduardo Dougherty pregou o primeiro Seminário de Vida no Espírito Santo. Foram três noites de palestras no Cenáculo. Estavam entre eles Horácio Dídimo, Eduardo Bezerra Neto, Irmã Ribeiro e Vânia Torres.
Em Julho de 1975, Horácio Dídimo e sua esposa, participam de uma noite de oração carismática na casa de retiro São Francisco, em Salvador, Bahia, com a presença da Irmã Sara e Frei José, que os entregam posteriormente, algumas instruções para a realização dos Seminários de Vida no Espírito Santo. Ao chegar a Fortaleza, eles entregam o material ao Pe. Philippe.
Em Agosto de 1975, tem início o primeiro Seminário de Vida coordenado pelo Pe. Philippe, no Colégio Santa Cecília. Era um seminário de sete semanas, que reduzia-se ao Querigma, momentos de silêncio interior e partilha dos dons, mesmo que o seu uso não fosse tão difundido.
O primeiro tema abordado, segundo a organização do próprio Pe. Philippe e registrados nos seus cadernos de anotação pessoal, era o amor de Deus, continuando com o tema da salvação realizada por Cristo Jesus, a vida nova que o Senhor quer nos comunicar, uma oração de cura interior, a imposição das mãos pedindo a efusão do Espírito Santo, o crescimento que se espera de cada pessoa e a transformação em Cristo que acontece a cada dia através de uma renovação permanente. Os que participavam do Seminário eram orientados a seguir durante a semana um manual para os participantes dos Seminários de Vida no Espírito Santo publicado pelas edições Loyola.
Ainda em outubro de 1975, vai se realizar vários outros Seminários, coordenados pelo Pe. Philippe, Irmã Ribeiro e Irmão Henrique.
O Pe. Philippe ainda organizava experiências de oração no Espírito Santo em três etapas: a 1o experiência consistia na “Vida no Espírito Santo”, a experiência seguinte “A figura de Cristo contemplada no Espírito Santo” e por último a “Espiritualidade de evangelização”. Após essas experiências de oração no Espírito Santo ele aconselhava que as pessoas procurassem freqüentar algum grupo de oração na cidade. Em 1979, já era 40 o número de grupos de oração que se encontravam semanalmente.
Nos conta Emmir Nogueira[2] que quase ao mesmo tempo em que o Pe. Eduardo pregava, tinha chegado Zilah Maciel ao Pirambu, hoje Cristo Redentor, para ficar alguns meses.  Pe. Caetano, quando chega da Bélgica, encontra-se com Zilah Maciel, leiga paulistana, que já formava um grupo de carismáticos nessa região.
Não pude falar com Pe. Caetano, devido a sua idade avançada e problemas de saúde, mas o Pe. Batista[3] conta, que já depois de ter conhecido a RCC, foi convidado a participar de um retiro para sacerdotes ligados a Renovação em Salvador, mas como não podia, perguntou ao Pe. Caetano, em um encontro do clero, “você conhece a RCC? Respondeu o Pe. Caetano: não ouvi falar. Pois vai a um retiro no meu lugar, que lá você vai aprender. Pe. Caetano aceitou e quando voltou começou a desenvolver a grande obra do Espírito no Pirambu, que continua até hoje”. 
No norte de Fortaleza, encontramos esse grande incentivador da RCC: Pe. Batista Poinelli, que junto com Pe. Philippe pregou vários Seminários de Vida em Fortaleza.
Conversando com Pe. Batista, ele me disse que em 1975, quando decorava a Igreja para o natal, levou uma queda da escada e fraturou o colo do fêmur, tendo que ser hospitalizado. No ano seguinte, ainda se recuperando e andando de muletas, foi convidado para participar de um encontro no Cenáculo. Ele aceitou o convite, “era um jovem Pe. Americano, chamado Eduardo, que começou a falar da Renovação Carismática, do ‘Batismo no Espírito Santo’ voltei para casa na primeira noite, sem entender nada. Toda noite iam me buscar em casa para participar desses encontros. Após essas três noites de encontro, começamos a Renovação Carismática na Igreja de Nazaré”.
No sul, chegaram alguns Irmãos Canadenses por intermédio do Pe. Philippe. Eram eles: Ir. Mauricio, Michel e Ivo. A essa altura o Ir. Mauricio Labonté, que era missionário canadense começou a evangelizar os jovens a partir da espiritualidade da RCC, fundando o Grupo de Oração João XXIII, na capela das Irmãs Missionárias, na Aldeota, anos depois ficando sob a coordenação de Lucia Nogueira de Medeiros.
A década de 70 foi um período difícil para a Renovação Carismática. Essa nova expressão eclesial começava a se desenvolver. Conversando com Iolanda Fialho[4], ela me disse que nesse período não existia ainda literatura a respeito da RCC, “se ouvia as palestras, líamos a Bíblia e usávamos o livro de cânticos louvemos ao Senhor”. Emmir Nogueira[5] conta que o acesso a Bíblia não era tão fácil “naquela época para conseguir uma bíblia tinha que vir do Rio de Janeiro. Era preciosíssima uma Bíblia, pois era difícil consegui-la. Nossa turma ainda hoje guarda a primeira Bíblia, pois ela teve para nós um valor inestimável”.
Era o período do desenvolvimento da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, que na América Latina teve grande repercussão no meio do clero. Havia dificuldades de convivência entre essas duas expressões eclesiais. Emmir testemunha uma vez que foi expulsa da Igreja de São Benedito, onde o sacerdote dizia “sai porque você não é Igreja e a RCC não está no plano de pastoral orgânico paroquial. Retire-se daqui com seu povo! Eu sai com todos os coordenadores de grupo de oração atrás de mim. Lá fora faixas do PT. Cruzei com Maria Luiza a três dedos de mim de distância e, Deus foi muito bom, porque eu sorri para ela e disse: Deus te abençoe”[6]. Nesse período o Pe. Caetano escreve o livro A teologia da Libertação a luz da Renovação Carismática. O texto é resultado de um encontro de líderes da RCC de todo o Brasil em Campinas entre 04 e 11 de Janeiro de 1978. Nesse encontro foram feitas apreciações e criticas a respeito de um estudo feito a pedido da CNBB e com base em uma pesquisa do CERIS, realizada em 1975 e publicado em 1978 pela Editora Vozes. Mesmo nascendo no mesmo período, após o Concilio Vaticano II, Teologia da Libertação e Renovação Carismática, sempre tiveram dificuldades de entendimento. Era comum nessa época encontrar pessoas ligadas as Cebs que diziam que os carismáticos eram um bando de “alienados”, “só querem saber de rezar”, “eles constituem um grande perigo para a Igreja”, “não se engajam na luta dos pobres”, etc. O Pe. Caetano, em contrapartida, no livro citado acima, diz “Só existe libertação total, real e concreta, na medida em que o homem, assumido pelo Senhor Jesus, se liberta do seu egoísmo, de suas tensões, medos e angústias, das opressões do demônio, para se lançar na gratuidade e na disponibilidade do serviço libertador do próximo” [7]. São duas realidades eclesiais que se distanciavam cada vez mais.
Nos anos 70, vai surgir a primeira equipe de serviço da RCC, formada por Ir. Cardoso, Ir. Ribeiro e Horácio Didimo. Esse último[8] participa ainda hoje ativamente da Comunidade Face de Cristo, onde coordena um grupo de oração. Nesse período a preocupação da equipe era dupla: difundir a riqueza dessa espiritualidade e conquistar legitimação por parte do clero, já que nesse período se contava nos dedos os sacerdotes que apoiavam o movimento.
Em 1978, a primeira edição do jornal Ágape, traz a informação da primeira reunião do conselho de representantes dos grupos de oração da região no dia 1 de março, no cenáculo, com representantes dos seguintes grupos de Fortaleza: Cristo Redentor, Santo Afonso, Sagrada Família, N. S. Medianeira, Cenáculo, Santo Tomás de Aquino, João XXIII, N. S. Fátima, Espírito Santo, Noite de Oração, N. S. Piedade, N. S. do Santíssimo Sacramento, N. S. dos Remédios.
Em vários lugares começam a acontecer Seminários de Vida no Espírito Santo, e as lideranças da RCC vão sendo formadas. Em Março de 1978, o Pe. Eduardo dirigiu um retiro para cerca de 50 lideres, no cenáculo.
Em 6 de Abril de 1978, Dom Aloísio recebe a nova comissão regional formada por Ir. Ribeiro, Pe. Philippe Prevost, S.J, Pe. Caetano de Tilesse, Horácio Dídimo, Maria Evendina, Hiran de Albuquerque Lage, Cleide Maria Furtado Arruda.
Entre a década de 70 e 80, Dom Aloísio, que era Arcebispo de Fortaleza, envia Monsenhor Camurça, para acompanhar a RCC.  Ele vai dar um grande apoio a Renovação, participando com assiduidade dos encontros promovidos pelo movimento.
Em 1981, acontece um retiro com as lideranças da RCC onde estava presente o  Pe. Jonas Abib. Para os que estavam nesse retiro, esse foi um marco referencial na RCC de Fortaleza. O Pe. Jonas partilhou a sua experiência na comunidade Canção Nova, fundada por ele, que naquela época foi à primeira comunidade carismática do Brasil. Segundo Emmir, ele dizia na pregação: “Deus quer comunidades”. Depois desse retiro foram surgindo várias comunidades em várias localidades de Fortaleza: O Instituto Religioso Nova Jerusalém, a Comunidade Shalom, Face de Cristo, Nova Evangelização, Obreiros da Tardinha, etc. A década de 80, na verdade, foi o período de nascimento das comunidades e grupos de oração em todos os cantos de Fortaleza. De norte a sul, de leste a oeste, surgiam novas comunidades, grupos de oração, se realizam Seminários de Vida no Espírito Santo, aumentava a adesão de pessoas a essa nova expressão eclesial.
Em uma palavra, a Renovação começa a se expandir. Passa a acontecer um trabalho de evangelização através da Radio Assunção, que depois precisou ser vendida. Em 1986, Afondo Ibiapina apresenta ao Bispo o projeto do Queremos Deus, com o objetivo de mobilizar todas as comunidades em uma grande atividade de evangelização. O Governador na época era Gonzaga Mota que cedeu gratuitamente o Castelão para a realização do evento. Desde esse ano, só em 1987, 2001 e 2002 não aconteceu. De certo modo essa atividade é relevante para a Arquidiocese de Fortaleza, pois consegue congregar muitas pessoas de vários lugares. No ano 2000, chegou a reunir 200.000 pessoas na Base Aérea de Fortaleza, tendo repercussão nacional.
Um pensamento que circulava a nível Nacional era que a RCC era uma investida conservadora contra o avanço das Ceb´s. Isso tem reflexo na cidade, tanto que o Jornal o povo, em 1988, traz uma matéria com o seguinte titulo: “Investida conservadora conta com os carismáticos”. O jornal continua afirmando que os setores conservadores do Vaticano contam com a ajuda do movimento da Renovação Carismática Católica para desarticular a “ala progressista” no Brasil. Esse pensamento não se justifica, conforme Ronaldo José de Sousa[9], já que havia dualização do discurso, impedindo que houvesse na Igreja intercâmbio entre os adeptos das Ceb’s e carismáticos, diminuindo a possibilidade de influência entre esses dois movimentos. Cada qual se localizou na Igreja em lugares bem definidos e era impossível, por exemplo, encontrar um grupo de oração em uma Comunidade Eclesial de Base.
Outros continuam afirmando, que a RCC faz parte de um grande projeto reacionário, como deixa entrever o titulo do jornal fortalezense, levado a cabo pela própria hierarquia conservadora através de uma política de retração à Teologia da Libertação e que esse teria possibilitado sua expansão.
É evidente que a Igreja de Roma, sempre demonstrou simpatia pela Renovação Carismática. Em 1973, quando acontece a primeira conferência Internacional de Líderes, o Papa Paulo VI, conversando reservadamente com treze pessoas de oito países que participam desse encontro, disse: “alegremo-nos com vocês, queridos amigos, pela renovação da vida espiritual que se manifesta hoje em dia na Igreja, debaixo de diferentes formas e em diversos ambientes”.[10]
A aproximação da Renovação Carismática com o Vaticano se deu através de grande colaboração do Cardeal Leon Josef Suenens, Arcebispo de Malines, Bruxelas, Bélgica, que acompanhou o movimento desde o seu início, a pedido do próprio Paulo VI. O Cardeal Suenens teve participação decisiva no Concílio Vaticano II.
Já em 1975, em um novo encontro internacional de carismáticos, em Roma, o mesmo Paulo VI, diz aos mais de 10 mil peregrinos reunidos na Praça de São Pedro: “Para um mundo assim (...) não existe nada mais necessário do que o testemunho dessa renovação espiritual, que o Espírito Santo suscita hoje (...). Então, não será uma graça para a Igreja e para o mundo essa renovação espiritual? E, neste caso, como não adotar todos os meios para que isso continue acontecendo?”.[11]
Na mesma linha, segue João Paulo II, manifestando o seu apoio ao movimento, incentivando o desenvolvimento de uma teologia do Espírito Santo e de uma eclesiologia que mostre o lugar dos carismas na unidade da Igreja, pois reconhece o Papa, um despertar nos tempos atuais, ao Espírito Santo. No início de seu pontificado, em 11 de dezembro de 1979, o Papa polonês recebeu o Cardeal Suenens e outros membros do Conselho Internacional da Renovação Carismática. Foi exibido um documentário sobre a RCC. Eis alguns trechos dos comentários feitos pelo Papa: “Eu sempre pertenci a essa renovação no Espírito Santo (...) estou convencido de que esse movimento é um sinal de sua ação (...) agora eu vejo esse movimento por todas as partes. Em meu país vi uma presença especial do Espírito Santo (...). de maneira que estou convencido de que este movimento é um importante componente dessa total renovação da Igreja, dessa renovação espiritual da Igreja”.[12]
Esse apoio de Roma não influenciou a Igreja da América Latina. Na década de 70, esse continente seria marcado por uma forte adesão desse Episcopado à Teologia da libertação. A reunião do Episcopado Latino Americano em Puebla, em 1979, sela o compromisso da “opção preferencial pelos pobres”.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 14 de fevereiro de 1979, o teólogo da libertação Leonardo Boff assegurou: “E as três afirmações que Puebla fez e que nos interessam no aspecto político-religioso foram à afirmação da opção preferencial pelos pobres, a afirmação da Teologia da Libertação, ou melhor, da temática da libertação, e a afirmação muito decidida da defesa dos direitos humanos. E eu diria ainda uma quarta coisa que para nós é muito importante, a afirmação explícita e acentuada de apoio às comunidades eclesiais de base. (...) Essas quatro ultimas causas profundamente afirmativas de Puebla constituíram-se, nos últimos anos, nas grandes bandeiras da Teologia da libertação”.[13]  
Por outro lado Puebla nada refere acerca da teologia ou práxis dos movimentos eclesiais. A única referência direta ao que chama de renovação espiritual que aparece nos meios mais diversos lembra a complacência de Paulo VI e de algumas Conferências Episcopais em relação ao movimento, mas alerta que “essa renovação exige dos pastores bom senso, orientação e discernimento, para que se evitem exageros e desvios perigosos”.[14]
Na década de 70, a Igreja Católica Brasileira mostrou-se como a mais progressista de toda a América Latina. Foi aqui que as Ceb´s se tornaram modelo para as Igrejas dos Países do Terceiro mundo. Houve um forte apoio do episcopado as comunidades eclesiais, gerando uma forte oposição da hierarquia a RCC devido a sua postura considerada espiritualizante. O movimento não participava dos planos diocesanos, mantendo-se a margem e desenvolvendo atividades paralelas.
O jornal o povo manifesta uma opinião que não encontra lugar na realidade arquidiocesana das comunidades e grupos de oração, como pode ser explicitado acima, pelo simples fato da Igreja de Fortaleza receber forte influência da Teologia da Libertação. É evidente que os Bispos procuravam acolher como pastores, já que a própria Sé Apostólica manifestava certo apreço pelo movimento, mas as Paróquias e Áreas Pastorais faziam de sua freguesia, o lugar das “comunidades eclesiais de base”. Isso é tão verdade, que nessa mesma edição do Jornal O Povo, monsenhor André Camurça, então Vigário-Geral da Arquidiocese, afirma que não passam de cinco os padres alinhados com o movimento.
Nesse mesmo período, a Coordenação arquidiocesana busca entendimento com o Arcebispo Dom Aloísio, para continuar o projeto “Evangelização 2000”, que consistia em cursos com duração de 4 meses para evangelizadores com três horas por semana, ou cursos intensivos de 11 dias com o objetivo de despertar “a Igreja missionária, que vai as ruas anunciar o Evangelho”, diz Pe. Caetano. Esse é um projeto a nível nacional, mas que ganhou um grande espaço em Fortaleza, acontecendo evangelização nas ruas e praças públicas.
A Comunidade Nova Evangelização, hoje sob a coordenação de Lúcia Medeiros[15], nasce sob forte influência desse projeto. Ela me disse que procurou fazer cursos em outras partes do Brasil, trabalhando incansavelmente pelo desenvolvimento de uma evangelização sistemática em Fortaleza. É importante dizer que todo esse trabalho continua se desenvolvendo atualmente. No Congresso Estadual do ano passado, ouvi Emmir Nogueira dizer que sua comunidade havia evangelizado todo o bairro de Fátima, indo de casa em casa testemunhando a Palavra de Deus, conseqüência do forte trabalho de formação realizado na década de 80.
Já se aproximando do final dos anos 80, monsenhor Camurça diz que já são mais de 200 grupos espalhados pela cidade. Surge então uma dupla preocupação: a formação de lideranças e a estrutura adequada para o funcionamento dos grupos de oração, pois constatava-se ser essa a grande necessidade das equipes que coordenavam a Renovação. Vários encontros foram realizados nesse sentido sendo produzido algum material, que orientava por ênfase nos grupos de oração.
Essa formação começava pelos seminários carismáticos, lugar do primeiro anúncio, seguido de grupos carismáticos, que influenciados pela experiência da comunidade Shalom se dividia da seguinte maneira:
Grupos de 1º fase de crescimento, com no máximo 50 pessoas, onde o objetivo principal era a prática dos carismas (1 Cor 12,1-12); grupos de 2º fase de crescimento com o objetivo de uma instrução na doutrina católica; grupos de 3º fase de crescimento onde as pessoas são incentivadas a viver o discipulado, fazendo um caminho de santidade. Essas fases de crescimento tinham pelo menos quatro aspectos fundamentais: Estudo bíblico, oração pessoal, partilha de vida e ministérios (como se chama ainda hoje os serviços realizados dentro e fora do grupo de oração).



[1] Sacerdote jesuíta, que colaborou imensamente no desenvolvimento da RCC em Fortaleza.
[2] Informativo da Renovação Carismática Católica da Arquidiocese de Fortaleza - ANO XXII - Jul/Agos/2000 - no 205
[3] Pe. Batista é sacerdote Piamartino que se encontra no Brasil a vários anos.
[4] Iolanda Fialho é Assistente Social e coordenou a RCC Arquidiocesana de 2000-2006.
[5] Emmir Nogueira é Co-fundadora da Comunidade Católica Shalom que no ano de 2007 recebeu o reconhecimento pontifício, coordenando por dois mandatos de três anos a RCC arquidiocesana.
[6] Informativo da Renovação Carismática Católica da Arquidiocese de Fortaleza - ANO XXII - Jul/Agos/2000 - no 205.
[7] Tillesse, Caetano Minette. A Teologia da libertação a luz da Renovação Carismática, São Paulo, Edições Loyola, 1978, pg. 44.
[8] Horácio Dídimo foi professor do departamento de literatura da Universidade Federal de Fortaleza. É autor de vários livros entre eles: tempo de chuva, tijolo de barro, A palavra e a Palavra (amor – palavra que muda de cor), etc. Faleceu em 2018.
[9] Ronaldo José de Sousa foi membro da Comissão Nacional de Formação da RCC e Professor da Faculdade de Filosofia de Cajazeiras – PB. É consagrado da Comunidade Remidos do Senhor.
[10]  Renovação Carismática Católica. A identidade da RCC, apostila 1. São José dos Campos: Fundec, s/d, pg. 16.
[11] Ibid., pg. 15.
[12] Sousa, Ronaldo José de. Carisma e instituição: relações de poder na Renovação Carismática Católica do Brasil, Aparecida, SP; Editora Santuário, 2005, pg 66-68.
[13] Ibid., pg. 69.
[14] Ibid., pg. 70.
[15] Ela foi uma das coordenadoras do Grupo João XXIII, um dos primeiros grupos do movimento aqui em Fortaleza.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

O contexto em que surge a Renovação Carismática




A RCC nasce logo após a conclusão do Concílio Vaticano II, no conhecido “final de semana de Duquesne”, em fevereiro de 1967, na universidade de Duquesne, nos Estados Unidos.
É um período em que a própria Igreja abre as portas para dialogar com o mundo. Esse novo movimento nasce num contexto de pós-modernidade.
A pós-modernidade caracteriza-se por uma passagem de um estágio de exaltação da razão, do progresso técnico-científico e do primado da razão para um ceticismo ou niilismo radical. No contexto do capitalismo tardio, a globalização e o neoliberalismo caracterizam a nova fase, marcada pela realidade do mercado, onde o que interessa é o cidadão produtor, consumidor e trabalhador. A pós-modernidade passa a questionar os valores hegemônicos construídos sobre o primado da razão, como dos ideais e instituições, em um clima de desconfiança, pessimismo e afrouxamento das relações.
Nesse ambiente pós-moderno que se percebe um surto espantoso da busca do sagrado, ou seja, de um despertar místico. Nesse horizonte, surge um mercado livre de experiências religiosas, já que não há mais o monopólio de uma única instituição religiosa. Desse modo, a necessidade de conquistar adeptos, se torna condição para a continuidade de expressões religiosas. Observa-se, nessa nova condição, o fenômeno da migração religiosa.
A renovação religiosa parece emergir na desilusão do racionalismo e de suas propostas salvadoras. A racionalidade instrumental não correspondeu adequadamente às expectativas que gerou em relação ao progresso e futuro feliz para a humanidade. Na verdade, ele se voltou contra o próprio homem, gerando grande disparidade social.

A RCC surge nos Estados Unidos e se espalha pelo mundo

Renova os teus milagres nesse nosso dia, como em um novo pentecostes. Permita que a tua Igreja, unida em pensamento e firme em oração com Maria a mãe de Jesus, e guiada pelo abençoado Pedro, possa prosseguir na construção do reino de nosso divino Salvador, reino de verdade e de justiça, reino de amor e de paz[1].

O Papa João XXIII rezou esta oração no inicio do Concílio Vaticano II (1962-1965). Suas palavras exprimem o desejo de que se renove na Igreja o extraordinário evento de Pentecostes, que o Espírito que atua continuamente desde o nascimento da Igreja “faça nova todas as coisas” (Is 43,19).
Existiu na universidade de Duquesne, Pensilvânia, uma sociedade chamada CHI RHO que tinha como finalidade estimular a pratica da oração e da participação na liturgia, a evangelização e ação social. Dois professores, que exerciam o papel de moderadores da fraternidade, participavam do movimento dos Cursilhos. Eles receberam de amigos, dois livros que o influenciaram bastante, exercendo papel-chave na experiência do batismo no Espírito Santo pela qual esses homens iriam passar. Um desses livros é a “cruz e o punhal”, escrito por David Wilkerson com Jonh e Elizabeth Sherrill, publicado originalmente em 1963. O outro é “eles falaram outras línguas”, escrito por Jonh Sherrill e publicado por Mc Graw Hill em 1964. Esse último descreve detalhadamente a pesquisa do autor, a respeito do fenômeno conhecido como “falar em línguas”.
“A cruz e o punhal”, é a dramática história de um pregador pentecostal de uma pequena cidade chamado David Wilkerson, que é conduzido pelo Espírito Santo para trabalhar junto a gangs de ruas do Distrito de Bedford-Stuyvestand, de Nova York. É um testemunho do dinamismo de fé e uma introdução a chamada “experiência do batismo no Espírito Santo”.
A partir da primavera de 1966, os dois professores rezavam diariamente para que fossem renovados neles as graças dos sacramentos do Batismo e da Crisma, para que pudessem testemunhar o amor e o poder de Cristo Jesus.
Depois de um tempo de oração e reflexão, tomaram a decisão de procurar alguns neopentecostais. Ligaram para o Padre William Lewis da Igreja de Christ Church situada no subúrbio de North Hill, da cidade de Pittsburgh, para saber dele se conhecia os livros de Wilkerson  e Sherrill. Ele respondeu que sim, e que poderia apresentar-lhes uma de suas paroquianas que tinham recebido o “batismo no Espírito Santo”. Era Flo Dodge, Presbiteriana, que coordenava em sua casa um grupo de oração de orientação ecumênica.
Quatro visitantes da Universidade de Duquesne chegaram a cada de Flo Dodge, em North Hills, incluindo os dois professores. Durante a reunião de oração, eles pediram o “batismo no Espírito Santo. No livro “Como um novo Pentecostes”, de Patty Gallagher Mansfield[2], a autora traz uma descrição dos professores que compareceram e a reunião de oração naquela noite:
“Minha esposa, dois colegas e eu nos dirigimos com cautela a um típico ‘lar suburbano’, onde logo ao entrar fomos atingidos pelo calor humano das pessoas que lá estavam. Era como uma reunião de família, da qual já fazíamos parte. Eu me lembro que para abrir a reunião eles cantaram quatro ou cincos hinos da linha tradicional das escolas dominicais protestantes. Seguiu-se uma longa sessão de preces de improviso. A cada tempo uma pessoa liderava as preces, sendo a sua voz acompanhada por vozes que mais pareciam em diferentes tonalidades do que o balbuciar incompreensivo dos ruídos vocais sem sentido. Havia também, um pouco de oração em línguas, o que se fazia, suavemente, sem interferência sobre as preces principais. Em seguida, eles começaram a compartilhar citações de passagens bíblicas, o que faziam de maneira notável. Eles trocaram entre si as leituras que tinham feito durante a semana, referenciando-as a uma variedade de experiências de vida, passadas e atuais. O que nos impressionou, foi a qualidade da teologia cristã dali resultante. Era uma teologia da graça, voltada para a ressurreição, do mesmo gênero daquela que encontramos nos cursilhos e nos bons livros de textos teológicos; mas ali, tudo era espontâneo, sem qualquer texto impresso. A teologia atuante do grupo que se reunia e rezava em conjunto, era positiva, natural e alegre, pois tinha sua base nas epístolas paulinas. Eu franzi a testa uma e outra vez, quando alguém se referiu a inteligência e ‘como é perigoso, etc’. Na verdade, eu já começava a apertar os dentes, até que ouvi alguém dizer: ‘vocês sabem, eu penso que o Senhor tem também o mesmo propósito’, e isto deu ensejo a uma discussão esclarecedora muito positiva. Minha única outra objeção foi a maneira como eles estavam usando as escrituras. Fundamentalista, não seria a palavra exata. Era mais devida ao fato de que eles tendiam a uma leitura da bíblia como faziam os primeiros cristãos, de uma forma altamente alegórica. Por um momento isto, me punha fora de sintonia. Mas, mesmo assim, eu podia ver através dessa maneira um autêntico testemunho do sentimento da presença de Deus. Talvez seja por isso mesmo que eu me incomodava: eu sempre tive receio desta mentalidade ‘de tubulação’ superdireta de comunicação com Deus. Todavia, como um dos nossos amigos comentou, talvez nós exageremos dando demasiada ênfase à causalidade secundária, de tal modo que nunca temos a  percepção da presença de Deus, atuando em alguma coisa diferente. De um modo geral, não foi uma noite extraordinária, mas que nos levou a pensar e orar. E que nos deixou com uma sensação permanente de que ali operou-se um movimento de Deus”.
A sociedade CHI RHO estava se preparando para um retiro, onde buscavam uma nova orientação para o trabalho dentro da universidade. Os dois professores sugeriram após a visita na casa de Flo Dodge, que o tema do retiro fosse mudado de “sermão da montanha” para “Atos dos Apóstolos”, sem que dissessem o que havia acontecido com eles. Os outros conselheiros mesmo sem entender aceitaram a sugestão. 
Na data estabelecida para a realização do retiro, os jovens universitários se encontraram na casa de retiro. Os professores orientaram o grupo para que cantassem um antigo hino ao Espírito Santo chamado “Veni, Creator Spiritus”, implorando a ação do Espírito Santo naquele encontro.
As palestras tinham seu foco nos primeiros quatro capítulos dos Atos dos Apóstolos. Os Professores coordenadores haviam convidado para que participasse do retiro e se dirigisse aos estudantes, àquela senhora com quem se encontraram no grupo de oração de Chapel Hill. Durante a discussão que seguiu a sua palestra, um estudante apresentou a proposta de que todos renovassem o seu compromisso de Crisma. Depois disso, à noite, alguns jovens, espontaneamente, foram se dirigindo a capela e experimentaram de forma atuante, o batismo no Espírito Santo.

A RCC chega ao Brasil

No Brasil, estamos em um período de ditadura militar, e a luta de vários grupos pela democratização do nosso País.
Estamos acompanhando o surgimento e desenvolvimento de novas formas oriundas do pentecostalismo clássico como a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), e Deus é Amor (1962), como também do neopentecostalismo no inicio dos anos 70 com a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça.
Essa experiência que ocorreu na Universidade de Duquesne foi se espalhando por vários lugares do mundo, chegando ao Brasil através de padres jesuítas americanos que chegaram ao País em fins da década de 60.
Mas precisamente o padre Harold Joseph Rahm e o padre Eduardo Dougherty, na cidade de Campinas, no estado de São Paulo onde começaram a organizar toda a atividade carismática, que logo se desenvolveu.
Os rumos que a Renovação Carismática tomará a partir de Campinas serão diversos, expandindo-se rapidamente pela maioria dos Estados brasileiros. Entre algumas informações disponíveis encontramos as de Dom Cipriano Chagas[3] que registra:
Em 1970 e 71 iniciou-se a Renovação em Telêmaco Borba, no Paraná, com Pe. Daniel Kiakarski, que a conhecera nos Estados Unidos em 1969. Em 1972 e 1973 Pe. Eduardo, de novo no Brasil, deu vários retiros e iniciou grupos de oração. Assim foi, por exemplo, em Belo Horizonte, em 1972, com um grupo pequeno de 8 ou 9 pessoas.
Em janeiro de 1973 o Pe. George Kosicki, CSB, que participava ativamente da Renovação nos Estados Unidos, veio a Goiânia para um retiro carismático de uma semana. A ele compareceram D. Matias Schmidt, atual bispo de Rui Barbosa, na Bahia, e vários padres e religiosas, que iriam iniciar grupos de oração em Anápolis, Brasília, Santarém, Jataí, etc. Nesse mesmo ano, perto de Miranda, no Mato Grosso, um pequeno grupo começou a ler o livro Sereis Batizados no Espírito e a rezar pedindo o dom do Espírito. Um mês mais tarde veio a eles o Pe. Clemente Krug, redentorista, que conhecera a Renovação em Convent Station, New Jersey; orando com eles receberam o “batismo no Espírito” e o dom de línguas.
Em geral, pois, pode-se dizer que os grupos de oração surgidos em inúmeras cidades do Brasil tiveram sua origem seja nas “Experiências de Oração no Espírito Santo” do Pe. Haroldo Rahm, SJ, seja nos retiros dados pelos padres Eduardo Dougherty, SJ e George Kosicki, CSB.
Em vista da extensão que tomava a Renovação no Brasil, o Pe. Eduardo Dougherty, sentindo a necessidade de uma melhor organização, preparou com o Pe. Haroldo Rahm e Irmã Juliette Schuckenbrock, CSC, um encontro de fim de semana em Campinas, que foi o I Congresso Nacional da Renovação Carismática no Brasil em meados de 1973, ao qual compareceram cerca de 50 líderes para discernir quais os caminhos a seguir.
Em janeiro de 1974 foi realizado o II Congresso Nacional da Renovação Carismática, comparecendo lideres de Mato Grosso, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, São Paulo, etc.
Em outras regiões a Renovação Carismática começa a crescer, a partir de 1974: no Norte a diocese de Santarém com Frei Paulo, em Anápolis, no Centro Oeste, com Frei João Batista Vogel, no Sul de Minas, com Mons. Mauro Tommasini na Aquidiocese de Pouso Alegre. Também colaboram como divulgadores: Pe. Schuster, Dr. Jonas e Sra. Imaculada Petinnatti, Peter e Ingrid Orglmeister, D. Cipriano Chagas, Pe. Alírio Pedrini, Frei Antônio, Ir. Tarsila, Maria Lamego,Ir.Stelita.
Inicialmente, a Renovação atingiu os líderes já engajados em movimentos como cursilhos, Encontros de Juventude, TLC, etc, e foi se ampliando gradativamente como uma nova “onda” de evangelização com identidade própria.
Em 1972, Pe. Haroldo escreve o livro Sereis batizados no Espírito, onde explica o que vem a ser o “Pentecostalismo Católico”. Sendo uma das primeiras obras publicadas no país sobre o movimento, trazia orientações para a realização dos retiros de “Experiência de Oração no Espírito Santo”, que muito colaboraram para o surgimento de vários grupos de oração.
Para B. Carranza[4], o livro representou uma alavanca para a difusão da Renovação Carismática, do mesmo modo como o foi, nos EUA, o livro A cruz e o punhal. Além disso, tendo recebido o Imprimatur de Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, bispo de Campinas na época, significou a legitimação da RCC.
Pe. Haroldo foi o responsável em divulgar a Renovação para muitos dos que viriam a se tornar suas lideranças. A adesão de Padre Jonas Abib, logo no início deu um grande impulso para a Renovação.


[1] Renovação Carismática Católica. A identidade da RCC, apostila 1. São José dos Campos: Fundec, s/d, pg. 14.

[2] A autora participou do chamado “final de semana de Duquesne”, e descreve com riqueza de detalhes esse grande acontecimento.
[3] CHAGAS, Cipriano, OSD. A descoberta do Espírito e suas implicações para uma transformação eclesial – um estudo sobre a Renovação Carismática. Tese de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 1976, p. 46-47.
[4] Carranza, Brenda. Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências. Aparecida: Editora Santuário, 2000.