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quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Ouve, meu povo!

 Capítulo 15: Ouve, meu povo!

“Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração” (Dt 6,4-6).

Na tradição de Israel o Shemá (ouve) é como uma profissão de fé rezado pelo povo em que se afirma a vocação de ser unicamente de Deus, no amor mútuo que cresce a cada ida e vinda que fazemos. Isso inclui obrigação de “andar em seus caminhos” (Dt 10,2) e servi-lo na medida do mesmo amor:

Esse verbo, na língua hebraica (Shemá), tem um sentido bem mais amplo. Significa também escutar, entender, prestar atenção, discernir e examinar. Por isso, para o autor sagrado, esse imperativo não diz respeito a um exercício de audição, mas um envolvimento com aquilo que se ouve. De outro modo, aquele que ouve a voz de Deus por meio da Palavra, assume as exigências da própria Palavra.

 No Novo Testamento a Palavra que se deve ouvir é o próprio Cristo: “Este é o meu Filho amado, ouvi-o” (Mc 9,7). É a sua voz que se ouve em toda Sagrada Escritura, porque no mistério de sua vida toda revelação chega à plenitude. No belo quadro da transfiguração a figura de Moisés e Elias nos dá a certeza de que em Cristo Jesus, a lei e os profetas chegam à perfeição “porque em dar-nos, como deu seu Filho, que é a sua palavra única (e outra não há), tudo que nos falou de uma vez nessa palavra, e nada mais tem a falar, (...) pois o que antes falava por parte aos profetas, agora nos revelou inteiramente, dando-nos o tudo que é seu filho.” (CIC 65). É a voz de Cristo que ecoa por toda a Sagrada Escritura, com efeito, nos livros sagrados o Pai que está nos céus vem carinhosamente ao encontro de seus filhos e com  eles fala” (CIC 104). 

A essa voz se deve uma obediência de fé, que quer dizer, submeter-se livremente à palavra ouvida. Todas as Escrituras apontam para Cristo. Ele é o Filho muito amado do Pai, a quem devemos escutar e seguir como discípulos. A Palavra é uma declaração de amor de Deus por nós. Ele fala conosco como um amigo. São Bernardo afirma que, no plano da Encarnação do verbo, Cristo é o centro de todas as Escrituras.

“Que a Palavra habite em vós” (Cl 3,16), diz São Paulo. De que forma isso acontece? Por meio da leitura orante das Escrituras, onde através da ação do Espírito Santo, Cristo se forma em nós. Essa experiência cria uma relação de amizade e, por meio desse encontro “entre amigos”, cultiva-se um “coração bíblico”, com uma disposição interior para ser “praticante da Palavra e não simples ouvintes” (Cf. Tg. 1,22a).

A leitura orante das Escrituras nos leva a visitar o jardim do Éden, acender uma fogueira com os patriarcas, enquanto se descansa da caminhada, deixar sua casa e ir ao encontro da terra da promessa, com a mesma fé de Abraão,  marchar com Moisés pelo deserto e renovar junto com os profetas a esperança depois de um doloroso tempo no exílio. Sentar à mesa com Marta e Maria. Está ao lado da Mãe de Jesus e João, o discípulo amado, na cruz do calvário e alegrar-se com o ressuscitado na manhã sem ocaso.

Devemos ter familiaridade com a Sagrada Escritura, fazer dela o nosso alimento. Aproximar-se da mesa onde se serve a própria Palavra viva. Como já dizia São Jerônimo: “A carne do Senhor é verdadeira comida e o seu sangue verdadeira bebida; é esse o verdadeiro bem que nos é reservado na vida presente: alimentar-nos da sua carne e beber o seu sangue, não só na Eucaristia, mas também na leitura da Sagrada Escritura. É, de fato, verdadeira comida e verdadeira bebida a Palavra de Deus que se obtém do conhecimento das Escrituras”.

A leitura orante das Escrituras quer ser um caminho para o conhecimento de Deus e de seu plano de salvação em Jesus Cristo onde todos podem encontrar nesta forma de leitura um meio simples e prático para aceder pessoal ou comunitariamente a Deus.

Nesse contexto, é preciso em primeiro lugar se alimentar do pão da Palavra, se aproximar da mesa da refeição, onde faz eco o velho ditado, “saco vazio não se põe em pé!”. Por isso devemos levar sempre uma reserva desse mesmo pão, para alimentar os que têm fome e sede de Deus. Precisamos repetir ao povo o texto da Escritura que diz: “Quem vem a mim (diz o Senhor), nunca mais terá fome....” (Cf. Jo 6,35b). Em nossa caminhada não vai ser difícil encontrar quem precise ser alimentado do pão vivo que é o próprio Senhor ressuscitado. Ao parafrasear o que diz João sobre o Pão da vida (Jo 6), podemos afirmar que quem não comer da carne transformada em Palavra não tem a vida em si mesmo, se torna “saco vazio”, que logo cairá sem forças.

A leitura orante das Escrituras é uma experiência de intimidade. O que se espera através dessa leitura, é que se crie uma relação de familiaridade, onde Deus se torna o “nosso grande amigo”. A cada dia, você tem a oportunidade de receber em sua vida o “Emanuel”, Deus conosco e é isso que dá sentido à nossa vida.


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