“Chegando
o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar.De repente, veio do
céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde
estavam sentados.Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se
repartiram e pousaram sobre cada um deles.Ficaram todos cheios do Espírito
Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia
que falassem” (At
2,1-4).
O Pentateuco nos indica um calendário com as mais
importantes festas religiosas da tradição judaica. A Páscoa do Antigo
Testamento, como primeira festa da primavera, inaugurava o ano litúrgico de
Israel e estabelecia a grande “memória de Israel”, atualizando a experiência do
Deus libertador, que constituía o eixo principal da fé. De acordo com Ex 23 o
povo vinha em romaria para celebrar as três principais festas: Ázimos;
Colheita, também chamada festa das Semanas e a festa das Tendas no outono.
A festa de Pentecostes está
relacionada à Páscoa. Seu nome tradicional é Festa das Semanas (Ex 34,22), mas
também essa celebração era conhecida como a Festa das Colheitas (Ex 23,16) por
causa de uma tradição agrícola que tem lugar no fim das sete semanas dos
ázimos. Ocasionalmente é chamada também de festa das primícias (Nm 28,26). O
judaísmo helenístico chamava esse dia de Cinquentésimo, de onde seu nome grego
Pentecostes (Cf. Tb 2,1), de uso comum nas comunidades cristãs que adotaram a
versão dos Setenta. A Festa de Pentecostes, como festa agrária é um momento
festivo, pois o agricultor celebra o dom do Criador que generosamente fecunda o
seu campo de modo que no centro da festa estava a oferta solene dos frutos da
colheita no santuário em Jerusalém.
A
legislação estabelecia que “a partir do
dia seguinte ao sábado, desde o dia em que tiverdes trazido o feixe de
apresentação, contareis sete semanas completas. Contareis cinqüenta dias até o
dia seguinte ao sétimo sábado e oferecereis a Iahweh uma nova oblação” (Lv
23,15-16).
Em certos ambientes judaicos, a
festa transforma-se essencialmente em festa da aliança. No período logo após o
exílio, a grande preocupação do povo era a afirmação da identidade judaica
enquanto povo de Deus. Os sacerdotes ocupam um papel muito importante nesse
período como guardiões do valioso patrimônio da fé do povo de Israel. Era um
tempo de reforma, procurava-se redescobrir um novo sentido para a vida do povo
que era profundamente marcado pelo culto. É feito uma releitura dos principais
acontecimentos da história de Israel associando-os ao ritmo celebrativo. Por
exemplo, no século II a. C o livro dos Jubileus surgido nesse período, em um
grupo sacerdotal reformista próximo ao grupo dos Assideus e que exerceu forte
influência sobre a comunidade de Qumrã, interpreta a festa das semanas como dia
comemorativo da aliança de Deus com Israel. No mês período, o grupo
político-religioso dos Saduceus, celebra a festa como comemoração da aliança no
Sinai, a partir de uma leitura de Êxodo 19 que marca a chegada do povo no cume
do monte no “terceiro mês”, período em que se comemorava a Festa das Semanas.
Outro grupo, o dos fariseus, logo após a destruição do templo em 70 d.C, da um
novo sentido a festa, agora como celebração do dom da lei.
Sabemos que os
Apóstolos estavam reunidos naquela casa para celebrar uma festa do calendário
judaico. O clima não era dos melhores para celebrar, afinal, os rumores da
morte de Jesus se espalharam por todos os lugares e o medo de morrer assolava
esses homens. Porém, a data exigia que eles se reunissem. Estou convencido de
que Maria, a mãe de Jesus, teve um papel importante nesse momento
da crise dos apóstolos após o escândalo da cruz, encorajando, ajudando a
reuni-los, animando-os para que não desanimassem. Maria desde a sua anunciação
foi preparada para ser a mestra dos apóstolos no cenáculo.
Muitas datas exigem que reunamos
nossa família, por isso, devemos propor um novo olhar sobre o
calendário. É ele que organiza o tempo, nos ajuda a planejar e é uma invenção
de enorme importância para todos nós. Através do calendário organizamos nosso
trabalho, férias, aulas, aniversários, visitas, passeios, festas e
comemorações. Passados milhares de anos vimos o tempo ser fatiado em anos,
meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos se impondo como controlador das
nossas ações.
O calendário nos proporciona a
maravilhosa chance de nos encontrar e fortalecer assim, os laços familiares.
Devemos usar o pretexto das comemorações para aperfeiçoar os valores humanos,
cívicos e religiosos. É assim quando comemoramos o Natal. As ruas, as casas e
as cidades se enfeitam. As luzes piscam em todo lugar espantando a escuridão. A
solidariedade rompe a indiferença e o egoísmo e nos lança na direção dos pobres
e desvalidos. Fartas ceias são preparadas, chamamos familiares e vizinhos para
comemorar. Criaram-se até brincadeiras para aproximar os mais distantes. A
alegria, ternura e o amor reinam. Inimizades, descontentamentos, aborrecimentos
e contrariedades são deixados de lado. O perdão tem uma chance.
Temos na Igreja o ano litúrgico que é um “calendário
religioso”, que marca os principais acontecimentos da História
da Salvação. Ele tem início com o Primeiro Domingo do Advento e termina
com a Solenidade de Jesus, Rei do Universo. O ano litúrgico é formado por dois
grandes ciclos: O Natal e Páscoa. Ao lado do Natal e da Páscoa temos um período
longo, de 34 semanas, chamado Tempo Comum. Passo a passo seguimos o Senhor,
celebrando seu mistério que nos transporta do tempo medido para o tempo sentido
dando a nossa vida um novo ritmo.
Cada dia é balizado, melhor,
santificado pela liturgia. No alvorecer e entardecer, somos convidados a render
louvores ao Criador, a recordar do seu amor, a renovar nossas forças nos unindo
a quem, no seu plano salvador, não nos deixou “entregues as mãos da morte”. Ser
grato pelo trabalho, pois essa é “uma
colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação
visível” (CIC 378). Em cada noite descansamos, revigorando nossas energias
para o novo dia que está prestes a começar. Esses intervalos de descanso nos
apontam para o domingo, que no ritmo semanal do tempo, nos lembra o dia da
ressurreição de Cristo, “é a Páscoa da
semana, na qual se celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, o
cumprimento n’Ele da primeira criação e o início da ‘nova criação’” (Dies
Domini, 1).
O padre Daniel-Ange diz que o ano
inteiro está estrelado pelos mistérios do Senhor e constelado pelas festas dos
santos, portadores de sua presença (o horóscopo dos batizados). O martirológio
romano nos propõe um itinerário onde percorremos a vida dos “amigos de Deus”
que nos guiam para a santidade. O Papa Francisco nos consola dizendo que “os numerosos santos de Deus, protegem-me,
amparam-me e guiam-me” (Gaudete et Exsultate, 4).
Podemos dizer que a Igreja liturgiza
os grandes acontecimentos da vida através dos sacramentos: nascimento, noivado,
casamento, morte, maturidade, vocação. Os demais acontecimentos, não menos
importante, têm uma liturgia própria onde se abençoa, “a oração de benção é a resposta do homem aos dons de Deus: uma vez
que Deus abençoa, o coração do homem pode bendizer aquele que é a fonte de toda
a benção” (CIC 626). Celebra-se, portanto, semeaduras, plantações,
colheitas, tempestades, períodos de fome, guerras. Se prevê na liturgia um
grande número de pessoas como governantes, políticos, refugiados, exilados,
doentes, perseguidos, animais, casas, etc., além de objetos como prédios,
altares, pão e vinho, instrumentos.
Em suma, através dos acontecimentos,
circunstâncias e objetos, e sobretudo as pessoas, toda a existência humana se transfigura pela
força do Espírito Santo que em nós e através de nós age para santificar o
mundo. Devemos colocar nossa casa nesse ritmo onde o humano aponta para o
divino e o divino se digna tocar o humano, elevando-o em sua dignidade
esponsal.
No dia de Pentecostes um
extraordinário acontecimento marca a vida dos homens e mulheres reunidos
naquela casa. O autor descreve através de gestos e sinais que algo portentoso
aconteceu transformando a todos. Podemos falar de um antes e depois de
Pentecostes. O Espírito Santo que encheu a todos é o mesmo que continua atuando
em nossos dias. Ele quer produzir uma verdadeira explosão espiritual dentro de
nossas casas fazendo com que nossos lares reflitam o fascínio dessa valorosa
instituição chamada família. Clamemos um novo Pentecostes que faça com que as
graças batismais eclodam lavando, purificando, renovando, revigorando pais,
mães, filhos, filhas, avós, tios, enfim, todos que vivem debaixo do mesmo teto,
que se decidiram viver o aprendizado diário da santidade:
“olha! Ouve isto: Deus quer que sejas bela;
que sirvas a plenitude da dignidade humana e da santidade de Cristo; que sirvas
ao amor e à vida. Tivestes início no Criador e foste santificada pelo Espírito
Paráclito, para vir a ser a esperança de todas as nações” (São João Paulo
II).
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