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sábado, 27 de fevereiro de 2021

Uma prisão sem grades

 

O que José, Jeremias e João da Cruz tem em comum?

José foi o profeta dos sonhos. Atraiu o ódio dos seus irmãos de tal forma que eles tentaram se livrar dele. O venderam como escravo. Logo depois, foi parar na prisão por causa de uma trama que quase o leva a morte. O que o levou a essa situação foi também o que o salvou. Os seus sonhos lhe trouxeram dor, mas também muita alegria.

José se transformou no José do Egito e por uma conspiração divina se viu diante daqueles que o haviam feito passar por todo esse drama. Os seus algozes  provaram a força do perdão que é capaz de transformar ódio em amor.

Jeremias que viveu muito tempo depois, foi chamado ainda na sua juventude a profetizar. Deus toca em sua boca. Ele é seduzido e por isso, não deixa de levar Palavra apesar de toda a inimizade que se criou. O profeta se sente uma criança, mas mesmo assim, se coloca de prontidão. Ele aprendeu a lidar com as dificuldades para exercer sua vocação, e é a voz de Deus que ecoa nos dias mais difíceis dizendo: “não tenhas medo, eu estou contigo”.

A tarefa do profeta não era fácil, assim sendo, ele encontrou muitos opositores que se colocaram no seu caminho. Acusado de traidor foi preso e ali amargou o desprezo. Jeremias poderia facilmente ser reconhecido como profeta da desgraça. Sua voz devia ser calada, por isso quiseram mata-lo para emudecer aquele que  gritava nas ruas, praças e palácios, sem medo do que pudesse acontecer com ele. Ele pagou o preço por causa do amor que o seduziu (Cf. Jr 20,7).

João da Cruz, desde cedo, quis seguir Jesus pelo caminho do recolhimento. Convencido por Teresa foi ser carmelita. Já havia sofrido grandes dificuldades ao longo de sua vida. Essas dificuldades não se tornaram menores quando ele entrou para o Carmelo. Seguindo o caminho de sua mestra, quis reformar o Carmelo o que não foi aceito pelos seus irmãos. Sequestrado, foi lançado em uma prisão onde teve que enfrentar muitos tormentos. Deus o visitou fazendo o santo declarar o seu amor pelo Amado em forma de poesia. Foi na prisão, que João da Cruz compôs boa parte dos  poemas do seu  Cântico Espiritual.

Creio, que podemos dizer, que a prisão une José, Jeremias e João da Cruz. O lugar que os aprisionou parecia não ter grades de tal modo que puderam percorrer o mistério do Deus escondido. Esse mesmo Deus, não mais desconhecido, desceu para gritar na solidão do cárcere seu amor sem medida. Quis ser companhia fazendo-os crer que a prisão que causa medo é a da alma.

Podemos imaginar que no meio da solidão pavorosa do cárcere possam emergir tão doces gemidos do amor entre o Criador e sua criatura? Que no meio da escuridão a  luz fulgurante do amor insondável possa refulgir com tanto esplendor na alma humana? É isso que vemos transparecer com tanta limpidez nesses três personagens que transformaram esse espaço de sombras e penúrias em um lugar reconfortante graças a presença do Amado. Isso bastou a eles.

Os três sabiam que haviam sido vítimas de tramas desprezíveis. Isso demonstrava que existia uma prisão que acorrentava seus opositores. O ódio fez com que pesadas correntes se arrastassem na direção deles. Suas angústias encontraram alívio nos braços de quem os achou sozinhos. Antes, jamais podiam imaginar, que a injustiça pudesse lhes trazer o gozo da alma enamorada.