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sexta-feira, 26 de julho de 2019

O contexto em que surge a Renovação Carismática




A RCC nasce logo após a conclusão do Concílio Vaticano II, no conhecido “final de semana de Duquesne”, em fevereiro de 1967, na universidade de Duquesne, nos Estados Unidos.
É um período em que a própria Igreja abre as portas para dialogar com o mundo. Esse novo movimento nasce num contexto de pós-modernidade.
A pós-modernidade caracteriza-se por uma passagem de um estágio de exaltação da razão, do progresso técnico-científico e do primado da razão para um ceticismo ou niilismo radical. No contexto do capitalismo tardio, a globalização e o neoliberalismo caracterizam a nova fase, marcada pela realidade do mercado, onde o que interessa é o cidadão produtor, consumidor e trabalhador. A pós-modernidade passa a questionar os valores hegemônicos construídos sobre o primado da razão, como dos ideais e instituições, em um clima de desconfiança, pessimismo e afrouxamento das relações.
Nesse ambiente pós-moderno que se percebe um surto espantoso da busca do sagrado, ou seja, de um despertar místico. Nesse horizonte, surge um mercado livre de experiências religiosas, já que não há mais o monopólio de uma única instituição religiosa. Desse modo, a necessidade de conquistar adeptos, se torna condição para a continuidade de expressões religiosas. Observa-se, nessa nova condição, o fenômeno da migração religiosa.
A renovação religiosa parece emergir na desilusão do racionalismo e de suas propostas salvadoras. A racionalidade instrumental não correspondeu adequadamente às expectativas que gerou em relação ao progresso e futuro feliz para a humanidade. Na verdade, ele se voltou contra o próprio homem, gerando grande disparidade social.

A RCC surge nos Estados Unidos e se espalha pelo mundo

Renova os teus milagres nesse nosso dia, como em um novo pentecostes. Permita que a tua Igreja, unida em pensamento e firme em oração com Maria a mãe de Jesus, e guiada pelo abençoado Pedro, possa prosseguir na construção do reino de nosso divino Salvador, reino de verdade e de justiça, reino de amor e de paz[1].

O Papa João XXIII rezou esta oração no inicio do Concílio Vaticano II (1962-1965). Suas palavras exprimem o desejo de que se renove na Igreja o extraordinário evento de Pentecostes, que o Espírito que atua continuamente desde o nascimento da Igreja “faça nova todas as coisas” (Is 43,19).
Existiu na universidade de Duquesne, Pensilvânia, uma sociedade chamada CHI RHO que tinha como finalidade estimular a pratica da oração e da participação na liturgia, a evangelização e ação social. Dois professores, que exerciam o papel de moderadores da fraternidade, participavam do movimento dos Cursilhos. Eles receberam de amigos, dois livros que o influenciaram bastante, exercendo papel-chave na experiência do batismo no Espírito Santo pela qual esses homens iriam passar. Um desses livros é a “cruz e o punhal”, escrito por David Wilkerson com Jonh e Elizabeth Sherrill, publicado originalmente em 1963. O outro é “eles falaram outras línguas”, escrito por Jonh Sherrill e publicado por Mc Graw Hill em 1964. Esse último descreve detalhadamente a pesquisa do autor, a respeito do fenômeno conhecido como “falar em línguas”.
“A cruz e o punhal”, é a dramática história de um pregador pentecostal de uma pequena cidade chamado David Wilkerson, que é conduzido pelo Espírito Santo para trabalhar junto a gangs de ruas do Distrito de Bedford-Stuyvestand, de Nova York. É um testemunho do dinamismo de fé e uma introdução a chamada “experiência do batismo no Espírito Santo”.
A partir da primavera de 1966, os dois professores rezavam diariamente para que fossem renovados neles as graças dos sacramentos do Batismo e da Crisma, para que pudessem testemunhar o amor e o poder de Cristo Jesus.
Depois de um tempo de oração e reflexão, tomaram a decisão de procurar alguns neopentecostais. Ligaram para o Padre William Lewis da Igreja de Christ Church situada no subúrbio de North Hill, da cidade de Pittsburgh, para saber dele se conhecia os livros de Wilkerson  e Sherrill. Ele respondeu que sim, e que poderia apresentar-lhes uma de suas paroquianas que tinham recebido o “batismo no Espírito Santo”. Era Flo Dodge, Presbiteriana, que coordenava em sua casa um grupo de oração de orientação ecumênica.
Quatro visitantes da Universidade de Duquesne chegaram a cada de Flo Dodge, em North Hills, incluindo os dois professores. Durante a reunião de oração, eles pediram o “batismo no Espírito Santo. No livro “Como um novo Pentecostes”, de Patty Gallagher Mansfield[2], a autora traz uma descrição dos professores que compareceram e a reunião de oração naquela noite:
“Minha esposa, dois colegas e eu nos dirigimos com cautela a um típico ‘lar suburbano’, onde logo ao entrar fomos atingidos pelo calor humano das pessoas que lá estavam. Era como uma reunião de família, da qual já fazíamos parte. Eu me lembro que para abrir a reunião eles cantaram quatro ou cincos hinos da linha tradicional das escolas dominicais protestantes. Seguiu-se uma longa sessão de preces de improviso. A cada tempo uma pessoa liderava as preces, sendo a sua voz acompanhada por vozes que mais pareciam em diferentes tonalidades do que o balbuciar incompreensivo dos ruídos vocais sem sentido. Havia também, um pouco de oração em línguas, o que se fazia, suavemente, sem interferência sobre as preces principais. Em seguida, eles começaram a compartilhar citações de passagens bíblicas, o que faziam de maneira notável. Eles trocaram entre si as leituras que tinham feito durante a semana, referenciando-as a uma variedade de experiências de vida, passadas e atuais. O que nos impressionou, foi a qualidade da teologia cristã dali resultante. Era uma teologia da graça, voltada para a ressurreição, do mesmo gênero daquela que encontramos nos cursilhos e nos bons livros de textos teológicos; mas ali, tudo era espontâneo, sem qualquer texto impresso. A teologia atuante do grupo que se reunia e rezava em conjunto, era positiva, natural e alegre, pois tinha sua base nas epístolas paulinas. Eu franzi a testa uma e outra vez, quando alguém se referiu a inteligência e ‘como é perigoso, etc’. Na verdade, eu já começava a apertar os dentes, até que ouvi alguém dizer: ‘vocês sabem, eu penso que o Senhor tem também o mesmo propósito’, e isto deu ensejo a uma discussão esclarecedora muito positiva. Minha única outra objeção foi a maneira como eles estavam usando as escrituras. Fundamentalista, não seria a palavra exata. Era mais devida ao fato de que eles tendiam a uma leitura da bíblia como faziam os primeiros cristãos, de uma forma altamente alegórica. Por um momento isto, me punha fora de sintonia. Mas, mesmo assim, eu podia ver através dessa maneira um autêntico testemunho do sentimento da presença de Deus. Talvez seja por isso mesmo que eu me incomodava: eu sempre tive receio desta mentalidade ‘de tubulação’ superdireta de comunicação com Deus. Todavia, como um dos nossos amigos comentou, talvez nós exageremos dando demasiada ênfase à causalidade secundária, de tal modo que nunca temos a  percepção da presença de Deus, atuando em alguma coisa diferente. De um modo geral, não foi uma noite extraordinária, mas que nos levou a pensar e orar. E que nos deixou com uma sensação permanente de que ali operou-se um movimento de Deus”.
A sociedade CHI RHO estava se preparando para um retiro, onde buscavam uma nova orientação para o trabalho dentro da universidade. Os dois professores sugeriram após a visita na casa de Flo Dodge, que o tema do retiro fosse mudado de “sermão da montanha” para “Atos dos Apóstolos”, sem que dissessem o que havia acontecido com eles. Os outros conselheiros mesmo sem entender aceitaram a sugestão. 
Na data estabelecida para a realização do retiro, os jovens universitários se encontraram na casa de retiro. Os professores orientaram o grupo para que cantassem um antigo hino ao Espírito Santo chamado “Veni, Creator Spiritus”, implorando a ação do Espírito Santo naquele encontro.
As palestras tinham seu foco nos primeiros quatro capítulos dos Atos dos Apóstolos. Os Professores coordenadores haviam convidado para que participasse do retiro e se dirigisse aos estudantes, àquela senhora com quem se encontraram no grupo de oração de Chapel Hill. Durante a discussão que seguiu a sua palestra, um estudante apresentou a proposta de que todos renovassem o seu compromisso de Crisma. Depois disso, à noite, alguns jovens, espontaneamente, foram se dirigindo a capela e experimentaram de forma atuante, o batismo no Espírito Santo.

A RCC chega ao Brasil

No Brasil, estamos em um período de ditadura militar, e a luta de vários grupos pela democratização do nosso País.
Estamos acompanhando o surgimento e desenvolvimento de novas formas oriundas do pentecostalismo clássico como a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), e Deus é Amor (1962), como também do neopentecostalismo no inicio dos anos 70 com a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça.
Essa experiência que ocorreu na Universidade de Duquesne foi se espalhando por vários lugares do mundo, chegando ao Brasil através de padres jesuítas americanos que chegaram ao País em fins da década de 60.
Mas precisamente o padre Harold Joseph Rahm e o padre Eduardo Dougherty, na cidade de Campinas, no estado de São Paulo onde começaram a organizar toda a atividade carismática, que logo se desenvolveu.
Os rumos que a Renovação Carismática tomará a partir de Campinas serão diversos, expandindo-se rapidamente pela maioria dos Estados brasileiros. Entre algumas informações disponíveis encontramos as de Dom Cipriano Chagas[3] que registra:
Em 1970 e 71 iniciou-se a Renovação em Telêmaco Borba, no Paraná, com Pe. Daniel Kiakarski, que a conhecera nos Estados Unidos em 1969. Em 1972 e 1973 Pe. Eduardo, de novo no Brasil, deu vários retiros e iniciou grupos de oração. Assim foi, por exemplo, em Belo Horizonte, em 1972, com um grupo pequeno de 8 ou 9 pessoas.
Em janeiro de 1973 o Pe. George Kosicki, CSB, que participava ativamente da Renovação nos Estados Unidos, veio a Goiânia para um retiro carismático de uma semana. A ele compareceram D. Matias Schmidt, atual bispo de Rui Barbosa, na Bahia, e vários padres e religiosas, que iriam iniciar grupos de oração em Anápolis, Brasília, Santarém, Jataí, etc. Nesse mesmo ano, perto de Miranda, no Mato Grosso, um pequeno grupo começou a ler o livro Sereis Batizados no Espírito e a rezar pedindo o dom do Espírito. Um mês mais tarde veio a eles o Pe. Clemente Krug, redentorista, que conhecera a Renovação em Convent Station, New Jersey; orando com eles receberam o “batismo no Espírito” e o dom de línguas.
Em geral, pois, pode-se dizer que os grupos de oração surgidos em inúmeras cidades do Brasil tiveram sua origem seja nas “Experiências de Oração no Espírito Santo” do Pe. Haroldo Rahm, SJ, seja nos retiros dados pelos padres Eduardo Dougherty, SJ e George Kosicki, CSB.
Em vista da extensão que tomava a Renovação no Brasil, o Pe. Eduardo Dougherty, sentindo a necessidade de uma melhor organização, preparou com o Pe. Haroldo Rahm e Irmã Juliette Schuckenbrock, CSC, um encontro de fim de semana em Campinas, que foi o I Congresso Nacional da Renovação Carismática no Brasil em meados de 1973, ao qual compareceram cerca de 50 líderes para discernir quais os caminhos a seguir.
Em janeiro de 1974 foi realizado o II Congresso Nacional da Renovação Carismática, comparecendo lideres de Mato Grosso, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, São Paulo, etc.
Em outras regiões a Renovação Carismática começa a crescer, a partir de 1974: no Norte a diocese de Santarém com Frei Paulo, em Anápolis, no Centro Oeste, com Frei João Batista Vogel, no Sul de Minas, com Mons. Mauro Tommasini na Aquidiocese de Pouso Alegre. Também colaboram como divulgadores: Pe. Schuster, Dr. Jonas e Sra. Imaculada Petinnatti, Peter e Ingrid Orglmeister, D. Cipriano Chagas, Pe. Alírio Pedrini, Frei Antônio, Ir. Tarsila, Maria Lamego,Ir.Stelita.
Inicialmente, a Renovação atingiu os líderes já engajados em movimentos como cursilhos, Encontros de Juventude, TLC, etc, e foi se ampliando gradativamente como uma nova “onda” de evangelização com identidade própria.
Em 1972, Pe. Haroldo escreve o livro Sereis batizados no Espírito, onde explica o que vem a ser o “Pentecostalismo Católico”. Sendo uma das primeiras obras publicadas no país sobre o movimento, trazia orientações para a realização dos retiros de “Experiência de Oração no Espírito Santo”, que muito colaboraram para o surgimento de vários grupos de oração.
Para B. Carranza[4], o livro representou uma alavanca para a difusão da Renovação Carismática, do mesmo modo como o foi, nos EUA, o livro A cruz e o punhal. Além disso, tendo recebido o Imprimatur de Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, bispo de Campinas na época, significou a legitimação da RCC.
Pe. Haroldo foi o responsável em divulgar a Renovação para muitos dos que viriam a se tornar suas lideranças. A adesão de Padre Jonas Abib, logo no início deu um grande impulso para a Renovação.


[1] Renovação Carismática Católica. A identidade da RCC, apostila 1. São José dos Campos: Fundec, s/d, pg. 14.

[2] A autora participou do chamado “final de semana de Duquesne”, e descreve com riqueza de detalhes esse grande acontecimento.
[3] CHAGAS, Cipriano, OSD. A descoberta do Espírito e suas implicações para uma transformação eclesial – um estudo sobre a Renovação Carismática. Tese de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 1976, p. 46-47.
[4] Carranza, Brenda. Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências. Aparecida: Editora Santuário, 2000.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

A RCC é um dos maravilhosos frutos do Concílio Vaticano II


O estudo da religiosidade contemporânea insere-se necessariamente na discussão a respeito da modernidade e suas características fundamentais: o primado da razão e a progressiva secularização da sociedade. Diferente do que se pensava, a religião reapareceu com uma força, de tal forma, que se fala de “um retorno do sagrado”, onde o despertar religioso questiona o processo de secularização que acompanha a modernidade.
No Brasil, esse “retorno do sagrado”, resulta em grande parte, da difusão do pentecostalismo. O censo de 1991 revelou que os pentecostais representavam 65,1% do protestantismo nacional. Esse percentual tendeu a crescer nas várias pesquisas posteriores, atingindo 76% na Datafolha de setembro de 1994. O pentecostalismo multiplicou-se a uma taxa de 300% nas últimas três décadas do século passado, enquanto que o crescimento vegetativo populacional chegou a 68%. 80% dos que aderiram ao pentecostalismo eram católicos.[1] 
O pentecostalismo introduziu-se na Igreja Católica através de estudantes e professores da Universidade de Duquesne, nos Estados Unidos. Expandiu-se rapidamente na Europa e América Latina, atingindo, sobretudo indivíduos de classe média. Do ponto de vista histórico, o contexto dessa experiência é marcado por mudanças sociais importantes. Na Europa, a revolução de maio de 68, na América Latina, a insurreição de ditaduras inclusive no Brasil. Os avanços tecnológicos contrastavam com a ameaça da guerra fria. Era um tempo de incertezas e inseguranças.
O surgimento da Renovação Carismática faz parte de um mesmo fenômeno religioso sociológico, mas do ponto de vista teológico deve ser desvinculado do novo pentecostalismo protestante, que está aliado à ideia da teologia da prosperidade e de certa frouxidão nos costumes, o que se observa com frequência nos discursos por parte das midiáticas igrejas (Igreja Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, etc) e de certos posicionamentos com relação a temas como aborto, uso de preservativos, casamento de homossexuais e outros. Nesse aspecto, o discurso carismático é extremamente conservador, pois cultiva no interior dos grupos de oração o que é apregoado pela autoridade eclesiástica.
Foi em fevereiro de 1967, na universidade de Duquesne, na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos que tudo começa. A partir daí, com uma força impressionante, a experiencia  vivida em solo americano se espalha pelos cinco continentes.[2] Hoje, do oriente ao ocidente, proclama-se o evangelho vivo do Senhor Ressuscitado, com a força do Espírito Santo, através dessa nova expressão eclesial.
     Mas do ponto de vista eclesial existe um contexto que abre o caminho para essa nova expressão fazer a experiência que marca sua identidade: as cartas da Beata Elena Guerra, fundadora das Irmãs Oblatas do Espírito Santo, enviada ao Papa Leão XIII, entre os anos de 1895 e 1903, pedindo-lhe que promovesse um retorno à devoção ao Espírito Santo.[3] O mesmo Papa no início do século XX já convidava toda a Igreja a “incrementar o culto do Espírito Santo”.
 João XXIII na Encíclica que convocava o Concílio (Humanae Salutis) pedia em oração – “Renovai vossos prodígios em nossos tempos, como um novo pentecostes”. [4]
A Renovação Carismática é como dizia o São João Paulo II

um dos numerosos frutos do Concílio Vaticano II que, como um novo Pentecostes, suscitou na vida da Igreja um extraordinário florescimento de agregações e movimentos, particularmente sensíveis a ação do Espírito Santo.[5]

     A RCC entende ser “rosto e memória de Pentecostes”, como sinal da atualidade e perenidade de Pentecostes, procurando acolher para si, de modo objetivo e experiencial, aquilo que o magistério vem pondo em relevo, para toda a Igreja, com respeito à presença e a ação do Espírito Santo.
     O Pentecostes foi o Batismo no Espírito Santo para os apóstolos reunidos no cenáculo com Maria (At 2,1-4). O mesmo Batismo no Espírito Santo renovou-se em várias ocasiões entre os primeiros cristãos (At 2, 37-38; 4, 31; 8, 14-21). Foi uma experiência viva que operou uma mudança no coração dos discípulos, que sobre isto davam testemunho em suas pregações. Esta é a experiência do Espírito Santo, que a Renovação Carismática quer trazer aos cristãos de hoje.
A Renovação se configura como uma nova expressão eclesial e realiza o engajamento pastoral de seus membros à missão da Igreja que é evangelizar. E assim, torna-se uma opção de engajamento. O documento 56 da CNBB refere-se à diversas expressões eclesiais e à contribuição que cada uma delas pode dar a evangelização, “dentro de sua metodologia própria”.
O plano de ação da Renovação para o ano de 2006-2007 diz que nas ultimas reflexões do movimento sobre si mesmo afirma-se como uma expressão eclesial e deseja realizar a tarefa comum de evangelizar com sua metodologia própria, ou seja, a partir de sua identidade.[6]
A Renovação Carismática Católica é uma “expressão eclesial”, ou seja, uma maneira de ser Igreja, na medida em que permanece na comunhão “com o corpo” pela participação do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, comunicado pelos “Sacramentos da iniciação cristã”. Portanto, a RCC vê-se também como uma opção de engajamento, de tal forma que, participando de suas atividades, assumindo seus compromissos e tarefas, o fiel realiza sua pertença a Igreja e da sua contribuição com generosidade e alegria a esse mutirão evangelizador proposto pela Igreja. O Subsídio Doutrinal da CNBB n. 3 corrobora essa reflexão do movimento: “Por livre iniciativa, os fiéis leigos devem procurar não só a própria santificação e a vivência de sua vocação batismal, mas também a ajuda mútua nessa tarefa, unindo-se em comunidades, associações e movimentos, que colaborem para a sua formação e participação na missão apostólica da Igreja”.[7].
Nessa mesma linha o Pe. Salvador Carrillo afirma:

A renovação, como realidade comunitária, tem recebido do Espírito Santo dons espirituais que a caracterizam e quer, com eles, levar uma valiosa contribuição a renovação pastoral; além disso, cada pessoa tem seus próprios carismas segundo a graça que lhe foi dada (Rm 12, 6; I Cor 7, 7). Portanto, a Renovação, cumpre plenamente sua missão, quando na pastoral de conjunto, põe a serviço do bem comum os dons recebidos e contribui para a edificação do corpo místico de Cristo, na Igreja Diocesana e/ou Paroquial. [8]

A Renovação evangeliza a partir do Batismo no Espírito Santo, que é uma experiência no contexto do movimento de caráter vivencial e não sacramental, atualizando em sua pratica a experiência dos Apóstolos no cenáculo de Jerusalém (At, 2,1-4). Pra isso, realiza seminários, experiências de oração, retiros, ensino e aprofundamento. Por meio dos dons espirituais que a caracterizam tem assumido sua identidade própria no contexto eclesial colaborando com a proposta pastoral e evangelizadora da Igreja.
A expressão Batismo no Espírito Santo na RCC tem dupla significação. A primeira é propriamente teológica ou sacramental. A segunda é de ordem vivencial e remete ao momento na qual a presença operante do Espírito Santo tornou-se sensível na consciência pessoal. Na Sagrada Escritura encontramos vários textos que se referem a essa ação do Espírito Santo de batizar, “Eu vos batizo com água, mas aquele que é mais forte do que eu...Ele vós batizará com o Espírito Santo e com o fogo” (Mt 3,11; Lc 3,16). Marcos e, sobretudo João evocam a promessa da efusão messiânica do Espírito Santo predita pelos profetas do Primeiro Testamento (Is 32,15ss; 42,1; 44,3ss; Jl 2,28; Ez 32,26; 39,29). Jesus inicia o seu ministério em Lc, proclamando na sinagoga em Nazaré a profecia de Isaias que começa dizendo “O Espírito do Senhor está sobre mim”, afirmando que nele se cumpre essa profecia (4,18-19). O próprio Lc em sua outra obra associa o êxito da missão dos discípulos à ação do Espírito Santo: “Mas descerá sobre vós o Espírito Santo e vós dará força, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8).
Dois textos principais falam da efusão do Espírito Santo: o evento no dia de Pentecostes (At 2,1-4) e o episódio na casa de Cornélio (At 10,44ss). Em ambos os casos o evento é apresentado como cumprimento da promessa feita pelo próprio Jesus (At 1,33). Nesses dois textos mais do que o caráter sacramental aparece o vivencial operando uma consciência da atuação permanente do Espírito Santo na comunidade que passa a ser animada por dons carismáticos (1 Cor 12), que são colocados à disposição pelo mesmo Espírito que realiza o querer e o agir (Fl 2,13). Desse modo, o sentido aplicado pela Renovação ao termo batismo no Espírito Santo está fundamentado na própria Escritura que reconhece esse aspecto vivencial empregado pelo movimento.
A Experiência narrada no livro dos Atos dos Apóstolos é constantemente evocada pela RCC, de modo, que ela afirma ser “rosto e memória de Pentecostes”.
Conta-nos Patty Gallagher Mansfield, no seu livro, que um dos dois professores conselheiros da CHI RHO, escreveu uma carta para os seus amigos, contando o acontecido, que se transformou em um testemunho do que ocorre na experiência do movimento:

... eis que nos encontramos num plano de vida cristã que todos os compêndios dizem ser normal, mas que todas as práticas e expectativas podem negar. Nossa fé revivesceu, nossa crença transformou-se como que num saber. Repentinamente, o mundo do sobrenatural tornou-se mais real que o natural. Para resumir: Jesus Cristo é para nós uma pessoa real, uma verdadeira pessoa viva que é o nosso Senhor e que atua em nossas vidas.
A oração e os sacramentos vieram a ser verdadeiramente o nosso pão de cada dia, no lugar de práticas que eram somente reconhecidas como ‘boas para nós’. Um amor as Escrituras, um amor a Igreja que eu nunca julguei ser possível, uma transformação dos nossos relacionamentos com os outros, uma necessidade e um poder de dar testemunho além de qualquer expectativa, tudo isso veio a torna-se parte de nossas vidas. A experiência inicial do ‘batismo no Espírito Santo’[9] não foi em nenhuma hipótese emocional, mas a vida recebeu um influxo que nela se esparramou, e a fez repleta de calma, auto-segurança, alegria e paz... Um dos mais surpreendentes resultados disto foi o fim de semana, que fizemos para cerca de vinte e cinco estudantes. Nada mais que um retiro comum, do tipo apresentação/discussão. Mas nós fizemos uma coisa diferente – nós focalizamos a matéria no tema dos Atos dos Apóstolos 1-4 e aguardamos a chegada do Espírito Santo. Antes de cada palestra nós cantamos ‘Veni, Creator Spiritus’, para valer. Não fomos desapontados. O que aconteceu em Atos capítulo doisaconteceu também conosco. Devo dizer, inicialmente, que os participantes eram estudantes, os quais três meses antes, tinham suas dúvidas até mesmo sobre a existência de Deus, não queriam ouvir falar em oração, etc. eles já produziram o seu efeito sobre o campus...[10].



[1] Cf. SOUSA, Ronaldo José de. Carisma e instituição: relações de poder na Renovação Carismática Católica do Brasil, Aparecida, SP: Santuário, 2005, p. 7.
[2] A Renovação Carismática Católica está presente em cerca de 200 países e já tocou as vidas de aproximadamente 120 milhões de católicos. Nos últimos anos, parece que o número de participantes diminuiu em alguns países, mas, em outros, o número continua a crescer a uma taxa impressionante. Dados do site do Serviço Mundial da Renovação Carismática: http://www.iccrs.org/pt/sobre-nos/a-rcc/

[3] Elena Guerra nasceu em Lucca (Itália), no dia 23 de Junho de 1835. Viveu e cresceu em um clima familiar profundamente religioso. Durante uma longa enfermidade, se dedica à meditação da Palavra de Deus e ao estudo dos Padres da Igreja, o que determina seu apostolado; primeiro na Associação das Amigas Espirituais, idealizada por ela mesma para promover entre as jovens a amizade em seu sentido cristão, e depois nas Filhas de Maria. Em Abril de 1870, Elena participa de uma peregrinação pascal em Roma juntamente com seu pai, Antônio. Entre outros momentos marcantes, a visita às Catacumbas dos Mártires confirmam nela o desejo pela vida consagrada. Em 24 de Abril, assiste na Basílica de São Pedro a terceira sessão conciliar do Vaticano I, na qual vinha aprovada a Constituição “Dei Filius” sobre a Fé. A visita ao Papa Pio IX a comove de tal maneira que depois de algumas semanas, já em Lucca, no dia 23 de Junho, faz a oferta de toda a sua vida pelo Papa.
Em 1886, Elena sente o primeiro apelo interior a trabalhar de alguma forma para divulgar a Devoção ao Espírito Santo na Igreja. Para isto, escreve secretamente muitas vezes ao Papa Leão XIII, exortando-o a convidar “os cristãos modernos” a redescobrirem a vida segundo o Espírito; e o Papa, amavelmente solicitado pela mística Luquese, dirige à toda Igreja alguns documentos, que são como uma introdução a vida segundo o Espírito e que podem ser considerados também como o início do “retorno ao Espírito Santo” dos tempos atuais: A breve “Provida Matris Charitate” de 1895; a Encíclica “Divinum Illud Munus” em 1897 e a carta aos bispos “Ad fovendum in christiano populo”, de 1902.
[4] Cf. Plano de ação 2006-2007. Renovação Carismática Católica.
[5] Ibid. p. 4.
[6] Ibid., pg 5.
[7] Igreja particular, movimentos eclesiais e novas comunidades. Subsídios Doutrinais da CNBB, 3, n. 18.
[8] ALDAY, Salvador Carrillo Renovação no Espírito Santo – Louva a Deus: Editora, p. 13.


[10] MANSFIELD, Patti Gallagher. Como um novo pentecostes: relato histórico e testemunhal do dramático inicio da Renovação Carismática Católica. Trad. br. Sérgio Luis Rocha Vellozo, Rio de Janeiro: Louva-a-Deus, 1993, pg. 30.